OS EFEITOS DA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA NO SOLO URBANO – Parte 2


O texto anterior sobre os especuladores gerou uma questão relacionada a idéia de lucro extraordinário. Afinal, no setor imobiliário são possíveis ou não lucros extraordinários? A questão depende do que se define como lucro extraordinário. Se pensarmos num retorno de 100% num intervalo de 1 ano, podemos considerar que algumas aplicações no mercado imobiliário podem ser consideradas como extraordinárias. Mas isto depende da natureza do negócio que se trata e se usa como comparação e das características dos outros setores. Ao vender balas ou bebidas, ou ainda comida, normalmente os lucros são superiores a 100%, por causa da característica do produto, que em geral é muito barato e é vendido em quantidades pequenas pelo comerciante final.
Como não há uma definição do que é um lucro extraordinário, só se pode dizer isto em relação ao que são os lucros ordinários do setor imobiliário. Dificilmente seria possível obter lucros em operações imobiliárias muito acima daqueles praticados pelo mercado. Isto porque o mercado imobiliário é muito fragmentado, e dificilmente uma empresa do setor controla uma grande parte do mercado. Novamente entra a questão da liquidez, que é baixa no setor, de modo que é difícil ganhar dinheiro com flutuações de preço repentinas. Imóveis podem se valorizar muito, mas dificilmente isto irá ocorrer num prazo inferior a 1 ano.
O que quer caracterizar neste texto, entretanto, é a idéia que se faz do que seja especulação imobiliária. Normalmente é compreendida como especulação imobiliária a prática de lotear e ocupar áreas distantes da cidade com o intuito de levar a estas áreas infra-estrutura básica, valorizando, consequentemente as áreas intermediárias, que posteriormente seriam vendidas por um preço superior ao que antes seria pedido por elas numa outra situação hipotética.
Outra idéia bastante difundida em relação à especulação imobiliária é de que o especulador age, basicamente, através da retenção de terrenos, para vender posteriormente a sua valorização com lucros maiores. De acordo com os adeptos desta visão, “o encarecimento da terra afasta as pessoas de menores rendas monetárias para áreas desprovidas de facilidades, e concentra os mais abastados em sítios onde há um maior número de externalidades positivas.” Portanto, a atitude do especulador seria uma atitude anti-pobre, na medida em que eleva o preço da terra.
No entanto, esta prática, que me parece execrável, sobretudo nas grandes cidades, tem um efeito contrário ao que se pode imaginar sobre o mercado imobiliário. A idéia é que esta prática leva a uma valorização das áreas próximas ao centro, por conta da infra-estrutura que será levada a terrenos que antes não tinham. No entanto, o efeito é, na prática, uma desvalorização do solo urbano. Se isto é especulação, o especulador lucra com a queda no preço dos imóveis, o que me parece uma perversão da idéia de lucros extraordinários. A expansão urbana por áreas distantes, formando subúrbios que são mais tarde incorporados a malha urbana, leva a uma tendência de queda no preço do solo urbano.
A razão é simples de explicar. Há basicamente dois fatores que irão incidir sobre o preço do solo urbano. O primeiro fator é o crescimento populacional. As pessoas demandam espaço para suas residências, os comerciantes para seus negócios e os industriais para suas indústrias. O crescimento populacional e econômico impulsiona a demanda por terra. Este é o primeiro fator que pressiona os preços do solo.
O segundo importante fator de impulsão é o crescimento da renda. Famílias pobres consomem menos espaço que famílias ricas. Além disso, o metro quadrado consumido pelas famílias ricas é mais caro que aquele consumido por famílias pobres. O crescimento da renda é um poderoso impulsionador da valorização dos imóveis. Para provar se ocorreu ou não uma valorização exagerada dos imóveis urbanos por conta da “especulação” imobiliária, deve-se provar que os preços do solo subiram acima do crescimento da renda e da população.
A população e renda funcionam do lado da demanda por espaço. Do lado da oferta, a expansão da área urbana atua como um fator limitante da expansão do preço da terra. Quando a mancha urbana se estende, ela gera uma pressão negativa sobre o preço da terra. Considerados estes fatores, deve-se observar que o que a prática de lotear áreas distantes, ainda mais quando estes loteamentos ocorrem numa velocidade superior ao crescimento da população e da renda, o que se tem é uma tendência de reduzir os preços do solo. Isto porque a incorporação de novas áreas torna o recurso “solo urbano” menos escasso, gerando um aumento da oferta e uma conseqüente pressão negativa sobre os preços.
Este tipo de expansão é, ao contrário do que se pensa normalmente, uma prática amigável aos pobres, que se beneficiaram do acesso a áreas maiores a preços menores. E como sua renda tende a crescer no longo prazo, por causa da própria dinâmica da economia capitalista, estas áreas se tornariam, numa situação de aumento contínuo da população, áreas mais valorizadas. Os pobres ganhariam duplamente com o serviço dos especuladores.
Sei que agora meu argumento vai se tornar menos linear, e vou ter que complicar o cenário para poder explicar porque eu acredito que esta situação é, no longo prazo, nociva aos pobres e a própria cidade. Mas desmente-se aqui que aquilo que se convencionou chamar de especulação imobiliária leve a uma valorização do solo urbano. Leva, ao contrário, a uma desvalorização.

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