Comentando as críticas de Rodrigo Choinski sobre o texto “Existirá de fato a idéia de especulação imobiliária?”
Recebi um comentário sobre o texto acima mencionado de Rodrigo Choinski, que discorda do modo como construía a argumentação de meu texto. Vou colocar as objeções dele e comentá-las na sequência:
"O primeiro é sair a partir da idéia da 'especulação imobiliária' mas analisar sob um ponto de vista individual: o especulador."
Acredito que a idéia de especulação imobiliária não existe sem o sujeito que a faz, o especulador. Portando, não faz sentido discutir especulação imobiliária sem tratar do modo como especulador age numa cidade. Ele continua dizendo:
"O segundo é buscar numa definição de dicionário (e na sua negação) algo que caracterize todas as complexidades da especulação imobiliária realmente existente (não o que as pessoas acham dela, ou o que o dicionário define)."
O dicionário faz traz a definição de especulação/especulador consagrada pelo uso do língua, inclusive pelo uso técnico. O que eu procuro mostrar é que as definições que o dicionário traz, ou seja, os usos possíveis para a idéia de especulação, refletem as opiniões que as pessoas têm sobre o assunto. Daquelas definições a mais "técnica" é a terceira, ou seja, aquele que faz investimentos comerciais ou financeiros visando obter lucros excepcionais com as flutuações de preço do mercado. No entanto, os imóveis são bens de baixa liquidez, e esta definição de especulador se aplica melhor a outros investimentos, como ações, cambio e commodites. Na faz sentido trabalhar com uma idéia de especulação imobiliária que não esteja de acordo com aquilo que as pessoas acham que ele seja, inclusive os acadêmicos que trabalham sobre o assunto.
O que eu quis fazer, acredito ter feito, com meu texto, é dar usar uma definição para a noção de especulação imobiliária e trabalhar em cima dela. Adiante, não me restringindo a idéia básica presente no dicionário, eu listo também as práticas que são usualmente tomadas como "especulação imobiliária", e através delas critico as leis feitas para impedir a especulação. Neste ponto entre a terceira parte da argumentação de Rodrigo:
"Mas o terceiro ponto é muito mais importante: As leis que critica não são justificadas pela especulação imobiliária! O IPTU progressivo no tempo vem para atenuar um problema indiscutível nos centros urbanos: A grande quantidade de imóveis vazios (em Curitiba são cerca de 60 mil). Vi em seus textos que critica a baixa densidade de algumas áreas urbanas, boa parte disto é causado pela não utilização de imóveis, guardados apenas como patrimônio."
A lei do IPTU progressivo existe para impedir que as pessoas utilizem os terrenos urbanos como "reserva de valor", seja lá o que isto for. É baseada na idéia que existe uma função social para o solo urbano, ou seja, servir de moradia. O IPTU progressivo visa combater esta prática, que é vista como especulação imobiliária também. Ele tenta forçar o proprietário do terreno a vendê-lo ou então a construir sobre o terreno, já que uma construção implica maiores despesas que simples manutenção dos terrenos. Acontece que as pessoas não constroem sobre os terrenos porque a equação de custo-benefício lhe parece desfavorável. Duas são as razões para isto: primeiramente, as leis de zoneamento de solo são muito restritivas em algumas localidades e impendem o uso comercial do imóvel ou uma utilização mais intensa do terreno.
Vou citar um exemplo doméstico. Há alguns anos comprei um terreno no bairro do Campo Comprido em Curitiba. O terreno era pequeno, mas como eu tinha dinheiro aplicado, resolvi comprá-lo, para talvez futuramente construir uma casa para morar. Minha idéia era fazer um imóvel com três pavimentos e também construir no sub-solo. Como eu não tinha dinheiro para fazer tudo isto, fiquei com o terreno parado durante um tempo. Minha idéia era construir quatro garagens no sub-solo, duas salas comerciais no térreo, e dois apartamentos, um no primeiro e um no terceiro piso. Eu iria gastar mais ou menos uns 100 mil reais para fazer tudo isto.
Além de não ter este dinheiro, eu não poderia construir duas salas comerciais no meu imóvel, porque o zoneamento do bairro não permitia. Também não poderia fazer três apartamentos, porque só poderia construir dois pavimentos. Também não poderia utilizar o sub-solo, porque não podia construir abaixo do nível da rua. Pensei em fazer uma casa de madeira nos fundos, para eu poder parar de pagar aluguel e economizar mais dinheiro para construir, mas a lei de zoneamento também não permite a construção de casa de madeira. Resolvi guardar dinheiro para construir mais tarde, mas recebi uma notificação da prefeitura para murar o terreno. Então resolvi vender o lote. Tudo o que eu queria fazer no terreno eu não poderia pela lei. As duas únicas coisas permitidas eram uma casa térrea ou um sobrado, o que para mim não compensaria. Eu vendi o terreno, mas muitas pessoas preferiram murá-lo e deixar para no futuro fazer algo melhor.
Com o IPTU progressivo, só os ricos podem comprar lotes urbanos e mantê-los por um longo tempo. Aos pobres, como eu, é vedada esta alternativa. Eu não estava especulando com meu lote, estava apenas juntando dinheiro para construir. Mas vamos supor que eu construísse uma casa no terreno, mas por conta de suas características, eu resolvesse alugá-la. Dificilmente eu alugaria a casa por mais que 1% do valor do imóvel e, por outro lado, dificilmente eu teria um retorno superior a 0,5% do valor do imóvel. Qualquer um que entenda o mínimo de investimento sabe que este é um péssimo negócio, a menos que você viva disto. Porque 0,5% é o valor restante depois de descontadas todas as despesas com a imobiliária e a manutenção ocasional do imóvel (pinturas, reformas, melhorias), o que é menos do que tem rendido a poupança. Além disto, eu pagaria mais imposto de renda por conta deste investimento. Portanto, os imóveis ficam vazios porque investir em imóvel é uma possibilidade para poucos.
Há uma última crítica do Rodrigo, sobre a idéia de contribuição de melhoria:
"Já a contribuição por melhoria, o próprio nome diz, se uma melhoria excepcional feita pela prefeitura (portanto pago com dinheiro de todos) valorizou o seu terreno. É justo que seja ressarcido. A não ser que a valorização não fosse excepcional e atingisse toda a cidade de forma homogênea, não há o que criticar."
A idéia de valorização imobiliária é um conceito a ser discutido, mas eu gostaria de saber que tipo de melhoria causa valorização do imóvel. Asfaltar ruas, construir e manter calçadas são deveres básicos da prefeitura que, a propósito, a prefeitura de Curitiba cumpre muito mal. Construir uma avenida pode significar a valorização do terreno (desde que a lei de zoneamento seja alterada), mas não necessariamente irá beneficiar os moradores. Isto porque o tráfego adicional pode inviabilizar a utilização residencial da rua, por exemplo, o que "forçaria" os moradores a saírem para uma localidade mais calma. Além disso, a valorização imobiliária só se realiza na hora da venda do imóvel, e portanto, só poderia ser cobrada neste momento. Sou inteiramente contra as contribuições de melhoria por conta destes dois argumentos.
O segundo ponto, a considerar é se no caso de uma obra de desvalorize o imóvel, como, por exemplo, uma lei de zoneamento restritiva, a prefeitura deve indenizar o morador pela desvalorização do seu terreno. Ou se no caso de uma expansão urbana, que impede a desvalorização, o morador será ou não ressarcido. Aposto que para nenhuma destas duas alternativas o senhor Rodrigo achará justa uma indenização.
Por fim, comentar a questão das baixas densidades. As leis de zoneamento atuais para ZR2 impedem densidades demográficas superiores a 80 domicílios por hectare por uma questão física: o tamanho dos imóveis (geralmente não maiores que 500 m² e obrigatoriamente não menores que 125 m²) impedem que a densidade seja maior.
Além disso, para os imóveis de 125 m² numa zona ZR2 a área edificável máxima é 100m² por pavimento, com recuo de 5 metros na frente. E para imóveis maiores, 500m² era a medida comum há 20 anos atrás, a área máxima edificável equivale a 400 m², o que permite fazer um prédio com um máximo de 10 apartamentos em dois pavimentos. Isto significa que a densidade máxima teórica seria de aproximadamente 200 domicílios por hectare, uma densidade razoável, mas de apartamentos muito pequenos, de no máximo 2 quartos e 40 m² cada um, o que representa imóveis de nicho, não de massa.
A baixa densidade demográfica da cidade não é culpa dos imóveis vazios, mas das leis restritivas de zoneamento. São resultado de políticas contrárias ao uso do imóvel como investimento, por conta do preconceito contra o uso capitalista do solo urbano, e também pela preferência a casa própria como política pública, juntamente com leis contrárias ao aluguel. De qualquer forma, gostaria de agradecer as críticas, porque levam-nos sempre a repensar idéias que nos parecem muito claras, mas nem sempre são passadas de forma devidamente clara para aqueles que nos lêem.
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