La Nave Va - Porque a vaca ainda não foi pro brejo

Através desde artigo, vou tentar enumerar algumas razões pelas quais eu acredito que o país ainda não foi pro brejo tornando-se uma Bolívia da vida. Serão abordados de modo simplificado as questões que acredito que ajudam a explicar a relativa estabilidade do Brasil nesses últimos 30 anos, já que é mais ou menos esse o tempo que o país não cresce rapidamente, mas também anda pra traz como seria de se esperar.

            O primeiro ponto que ajuda a explicar porquê o Brasil ainda não foi pro brejo é, na minha opinião, o respeito que os brasileiros têm pela propriedade privada. Mesmo nos degraus mais altos do escalão da petralha, ou principalmente lá, parece que as pessoas têm um receio ainda grande em acabar com a propriedade privada. Apesar dos impostos abusivos, das leis que só os especialistas compreendem, ainda há uma grande resistência da população contra restrições ou expropriações de propriedade privada. Além disso, há um crescimento expressivo do crédito para o financiamento de bens, tanto móveis quanto imóveis (destes últimos um aumento considerável nos últimos anos), o que amplia a parcela das "camadas proprietárias" e aumenta o respeito e a dignidade da propriedade privada. A casa própria é hoje um bem que pode ser adquirido por praticamente qualquer pessoa que trabalhe de forma continuada.

            Outro ponto que faz com que haja uma crença na propriedade privada é a informalidade do mercado de trabalho. O Brasil é um país onde há um grande número de pequenos empresários, milhares de micro-empreenderes, e um crença generalizada de que é bom ser seu próprio patrão. Esse respeito pelo trabalho autônomo serve para aumentar a dignidade da propriedade privada das empresas, e graças a isso, há esforços no sentido de reconhecer, legalizar, e consequentemente taxar, esse tipo de empreendimento, que é visto com bons olhos pela população.

            Mesmo nas favelas, o brasileiro é um tipo que acredita que a casa própria é um bem importante, e respeita a propriedade alheia. Boa parte das invasões e ocupações irregulares se dá na forma de loteamentos clandestinos, onde as pessoas pagam pela terra em que vão morar, sendo enganadas por incorporadores inescrupulosos. Apesar de não haver posse de escritura, que muitos nem sabem o que é, seja por não saber ler, seja por ignorância mesmo, essas pessoas comercializam essa terra num "mercado negro", inclusive alugando barracos e edículas (meias-água) com contratos informais. Isso dá idéia da força que a propriedade privada tem no imaginário das pessoas.

            Outra razão que leva a economia a se manter num nível civilizado é a questão da poupança. O brasileiro, em geral, poupa pouco. Mas as empresas, muitas vezes impossibilitadas de contrair empréstimos por causa dos juros abusivos, acabam sendo empresas autofinanciadas, isto é, que fazem investimentos basicamente através da geração de caixa. Essa é uma situação complicada, que atravanca o crescimento mais rápido da economia, mas ao mesmo tempo faz com que as empresas tenham uma vitalidade financeira maior que a de similares estrangeiras. Um exemplo disso é o fato de que as linhas de crédito do BNDES em geral não usam todos os valores disponíveis, e que os bancos privados tem uma pequena parte de seus lucros advindos de empréstimos a empresas.

            O grande problema do país fica sendo seu governo, grande e ineficiente, que consome muitos recursos, principalmente crédito, aumentando a taxa de juros. Mas essa dependência de financiamento, causada pelos grandes déficits, tem um lado positivo: faz com que o governo se preocupe em manter níveis adequados desse déficit de modo a possibilitar a continuidade dos empréstimos. As experiências passadas de não pagamento de dívida mostraram-se catastróficas para o governo, inclusive nas urnas. Isso até parece um paradoxo: num país onde os empresários e as pessoas físicas têm tanto receio em contrair empréstimos o governo é um grande devedor, e vive basicamente financiado por empréstimos. Essa ineficiência da máquina pública serve como um anti-exemplo para o setor privado, que principalmente nos últimos anos tem se mostrado cada vez mais eficiente, e mais rápido na busca por essa eficiência.

            O fato de não existir no Brasil dinheiro fácil, todo ele tem que ser buscado com suor, faz com que tenhamos um setor privado forte e auto-sustentável, e um governo capenga, cujos governantes tem visto que a busca pela eficiência e transparência pode angariar apoio e votos de forma mais consistente que o populismo. Talvez esteja aí a razão pela qual o país ainda não foi pro brejo. Mas pode-se dizer que isso não aconteceu ainda, apesar dos esforços consistentes dos governantes para que aconteça.


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