Sobre mobilidade urbana

Por Fernando Ferro

Na cidade de Curitiba, nesta última semana de agosto, a Câmara de Vereadores discute a aprovação de um pedido de autorização de empréstimo da administração municipal para a modernização da linha “Inter 2”, que é uma das principais linhas de ônibus da capital. A meta do prefeito é modernizar o corredor viário por onde passa esta linha de modo a aumentar a velocidade e a capacidade do transporte para com isso reverter a queda no número de passageiros transportados. Um dos fatos apresentados foi que a velocidade média da linha caiu de 37 km/h para 23km/h ao longo dos mais de 20 anos que ela existe e a razão apontada é o aumento no número de veículos nas ruas.
Obviamente, tudo isso faz sentido. A mobilidade urbana cresceu nos últimos anos. As pessoas se deslocam cada vez mais, fazem mais viagens, passam menos tempo em casa e utilizam formas mais diversas de transporte. A participação do transporte coletivo diminuiu, inclusive com uma redução substancial do número viagens. As razões alegadas são muitas, mas a principal é que o transporte coletivo é cada vez menos atrativo para os cidadãos.
Uma questão, contudo, que não é muito considerada, é a lei da oferta e procura. Dizia já o economista Jean-Baptiste Say que toda oferta cria sua procura. Durante muito tempo, alegou-se, por exemplo, que as pessoas andavam pouco de taxi porque taxi era um serviço caro e elitista. Mas os aplicativos de carona paga vieram para ficar e transformaram a mobilidade. Aos 5 mil taxistas licenciados em Curitiba somaram-se um contingente que oscila entre 20 e 35 mil motoristas de aplicativos circulando na cidade, conforme a demanda.
Da mesma forma, dizia-se que eram necessárias ciclovias para que as pessoas utilizassem bicicletas como forma de transporte. Durante muito tempo se bateu nesta tecla. E algumas ciclovias foram criadas, mas permaneceram sempre meio que desertas, incluindo as ciclofaixas. Eis que os aplicativos de aluguel de bicicletas por minuto, assim como patinetes elétricos, promoveram uma verdadeira revolução na “ciclomobilidade”, mostrando que na verdade as pessoas utilizavam pouco as bicicletas porque havia poucas bicicletas disponíveis. A partir do momento que a oferta de bicicletas aumentou, o número de ciclistas, sobretudo ocasionais, disparou em praticamente todas as cidades onde o serviço foi ofertado.
E assim como o número de motorista vinha subindo, em decorrência sobretudo do aumento da frota de automóveis, o número de passageiros no transporte coletivo continua estável. E a razão é que não há praticamente qualquer expansão no sistema de transporte coletivo já há algumas décadas. Reformulações pontuais deram algum conforto e ajustaram algumas linhas. Mas o sistema não cresceu e continua com a conformação básica da década de 1990.
Com isso, sem criar uma nova oferta de transporte, não seria surpresa esperar que o número de passageiros caísse, ainda mais para as novas ofertas. E também por conta de uma razão que venho alertando há anos aqui neste blog: o transporte coletivo tornou-se muito caro para curtas distância, perdendo até mesmo em preço para os aplicativos de carona paga em curtas distâncias.
O foco hoje do transporte coletivo é coletar os passageiros de longas distâncias. Mas eu suspeito que o grande crescimento das viagens dentro das cidades ocorreu nas distâncias curtas e não nos grandes deslocamentos. Assim, é de se esperar que as grandes distâncias continuem a perder passageiros. E também é de se esperar que as novas modalidades de transporte, focadas em atender essa demanda específica, continuem a crescer.

Comentários

Luis Diniz disse…
Eu não tenho carro e uso muito o Uber. Até recentemente, eu não usava o Uber para viagens curtas porque o preço saía mais caro do que a passagem de ônibus. Mas isso mudou com o Uber Juntos! Em curtas distâncias, costuma sair mais barato que uma passagem de ônibus. Em distâncias maiores, como da minha casa até onde eu trabalho, o Juntos sai mais caro do que o ônibus, mas a diferença de uns R$ 5,00 a R$ 7,00 compensa, considerando o maior conforto da viagem de carro.

Não é à toa que eu também uso o Uber como exemplo para explicar a ideia de Say de que o aumento da oferta gera aumento da demanda.

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