A CRIMEIA TEM O DIREITO DE SE SEPARAR?

     
Por Fernando R. F. de Lima.
Não sou especialista em geopolítica russa, europeia ou de qualquer tipo. Mas o texto de Helio Schwartsman hoje na Folha de S. Paulo (18/03/2014) me levou a refletir sobre o assunto. Sendo a região da Criméia uma fronteira cultural e geográfica facilmente distinguível das demais porções da Ucrânia, contando com uma população majoritariamente russa e, ademais, desejosa de juntar-se à pátria mãe, teríamos o direito de interferir em sua auto-afirmação?
Se o referendo, por ter contado com suporte de soldados russos, e por ter sido feito às pressas e, ainda, por gerar resultado tão amplamente favorável (mais de 95%), soa suspeito, seria ele mais legítimo caso fosse desejada não a anexação à Rússia, mas sua independência completa? Helio Schwartsman defende que sim. A população local tem direito a reivindicar sua independência, ou ainda, sua mudança de nação.
Isso me traz, contudo, outro questionamento: se sulistas desejosos de separatismo resolvessem chamar um plebiscito para perguntar à população de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul se estes desejariam separar-se do Brasil, seria este referendo legítimo? E se uma vez separados, um grupo (do vale do Ribeira, digamos), desejasse voltar para o Brasil, teria o Brasil legitimidade para entrar com tropas nas Repúblicas Unidas do Sul para assegurar o referendo realizado às pressas?
Sei que a hipótese parece maluca, mas por diversas vezes já se cogitou a separação do sul do restante do Brasil. Aliás, o Brasil é um país problemático, que talvez separado em vários, fosse mais fácil de administrar. E nos próprios estados brasileiros, muitas vezes já se desejou a formação de não uma nova república, mas apenas de um novo Estado, em regiões como o Oeste e o Norte do Paraná (Estado do Iguaçu e do Paranapanema, respectivamente), do Triângulo Mineiro, estado do Sul do Rio Grande do Sul (sabe-se lá como chamaria). Estes partiram de desejo de alguns populares e não de projetos de lei de senadores e deputados interessados em currais eleitorais, como é o caso do Mato Grosso do Norte (proposta alguns anos atrás), e alguns outros.
Como seria o Brasil se todo resolvesse de dividir?
Imagino mesmo que em vários momentos de nossa história, e não apenas da nossa, mas de nossos vizinhos sulamericanos, houve momentos em que cidades de fronteira desejariam ter autonomia para escolher trocar de lado. Internamento, isto já foi documentado em cidades como Porto União, na divisa entre Paraná e Santa Catarina, cidade gêmea de União da Vitória, que foi durante anos atendida pelos serviços públicos paranaenses de água, saneamento e energia, pois era negligenciada pela poder público de Santa Catarina.
O separatismo partido de populares, contudo, pode não ser sempre sábio: no caso de cidades, será que futuramente Porto União não gostaria de voltar para Santa Catarina caso tivesse se separado na década de 1960, já que hoje este estado é mais rico e estruturado que o Paraná? Como lidar com esta volatilidade nas fronteiras e divisas? Aceitaremos sempre o desejo popular, comunitário, ou criaremos critérios que impeçam o troca-troca de estados nacionais?

Em tese, o federalismo, que confere autonomia para as regiões/estados subnacionais, existiria para garantir que a autonomia fosse grande o suficiente para garantir a diversidade de experiências, mas limitado a ponte de impedir o separatismo. Na prática, os diversos federalismos existentes no mundo vivem sempre a tensão entre concentrar ou dispersar o poder. No Brasil atual, vivemos uma grande concentração de poder na União, vista, por exemplo, pela concentração de receitas tributárias, que tornam os Estados e Municípios cada vez mais dependentes de repasses de recursos e de políticas conjuntas com a união, que usa de manipulação política para beneficiar ou prejudicar desafetos locais. Ou seja, no Brasil de hoje, uma descentralização de poder seria mais que necessária. Talvez para conseguir chegar neste ponto, o necessário fosse radicalizar e pedir logo a separação completa, para que chegamos no meio termos da autonomia federativa de fato.

Comentários

INTERCEPTOR disse…
Fernando, os primeiros 44 segundos dizem respeito ao teu artigo:

http://bandnewstv.band.uol.com.br/noticias/conteudo.asp?ID=707408&tc=politica-votacao-do-marco-civil-da-internet-e-adiada-para-semana-que-vem

Mas, me surpreendi ao ler que hoje Santa Catarina é um estado mais rico que o Paraná. Tens certeza disto? E quanto aos motivos pela anexação de Porto União ao teu estado também figuravam o financiamento dos agricultores do município pelo Paraná.
INTERCEPTOR disse…
Correção "também figurava"...
Fernando Ferro disse…
Anselmo: de acordo com o IBGE, em 2011 o PIB per capita do Paraná era de R$ 22769,98, enquanto o de Santa Catarina atigiu R$ 26760,82, uma diferença de 17% em favor de Santa Catarina. Além disso, este estado ganha em expectativa de vida, criminalidade, anos de estudo, taxa de analfabetismo e tantos outros indicadores sociais, o que faz de SC um dos melhores estados do Brasil (se não me engano é o segundo ou terceiro em IDH).

Abraço
INTERCEPTOR disse…
Ah sim! Em termos per capita, eu já imaginava mesmo. E claro que isto diz mais que em termos absolutos.

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