VERDADE E MITO SOBRE PLENO EMPREGO NO BRASIL
Por Fernando R. F. de Lima.
Dia 10 de março saiu na Folha de S. Paulo uma
reprodução parcial da entrevista dada por Lula ao jornal italiano La Repubblica
em que o ex-presidente teria dito que a “defesa do emprego é mais importante
que a inflação”. Hoje, dia 11 de março, o petista se manifestou dizendo que não
afirmou isto, mas que é necessário “melhorar a inflação (seja já o que isso
for) com pleno emprego”. A frase dá a entender que o Brasil vive um momento de
pleno emprego, em que pese a inflação de 5,9% no IPCA do ano anterior,
fortemente mascarada pelo controle dos preços administrados pelo governo, como
energia, combustíveis e outros serviços públicos como transporte coletivo, por
exemplo.
Alguns economistas dizem que uma taxa de
desemprego abaixo de 5% pode ser tomada como pleno emprego, porque um número
pequeno de pessoas sempre estará a procura de um novo emprego que pague melhor,
ainda mais num momento em que o mercado de trabalho encontra-se favorável ao
trabalhador, como é o caso numa situação de desemprego baixo.
De acordo com a PME (Pesquisa Mensal do
Emprego), realizada pelo IBGE em seis regiões metropolitanas, a taxa de
desocupação encontrava-se em 4,8% em janeiro de 2014[1],
situação compatível com a afirmação de que o Brasil viveria um momento de pleno
emprego. Deve-se considerar que a PME, no universo da 6 Regiões metropolitanas,
considera um contingente de 43 milhões de pessoas em idade ativa (pessoas com
10 anos ou mais). Já a PNAD contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)[2],
que passou a pesquisar mais de 3,5 mil municípios em todo o Brasil, divulgou
dados um tanto divergentes em relação ao emprego no país.
Primeiramente, deve-se destacar que o total
de pessoas em idade ativa, consideradas as pessoas com 14 anos ou mais (mais
restritivo, portanto, que o universo da PME) foi estimado em 159 milhões de
pessoas, distribuídas por todos os Estados brasileiros. Destes, cerca de 97
milhões compunham a força de trabalho (61,5% do total). O restante seriam
pessoas que, apesar de estarem em idade ativa, não estão trabalhando tampouco
procurando emprego. Isto abrange a população de estudantes secundários (pessoas
entre 14 e 17 anos), universitários (entre 18 e 24 anos), e aqueles que
resolveram não trabalhar (inválidos, donas de casa, milionários vivendo de
renda, mendigos, etc.). A tabela 1 destaca os integrantes da força de trabalho
por grupo de idade.
Tabela 1 - Pessoas de 14 anos ou mais de idade,
total e na força de trabalho por grupos de idade - Brasil.
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Trimestre
|
abril-junho 2013
|
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Grupos de idade
|
(A)
|
(B)
|
(A)/(B)
|
Total
|
Força de Trabalho
|
||
Total
|
159.090
|
97.829
|
61,5
|
14 a 17 anos
|
14.075
|
3.183
|
22,6
|
18 a 24 anos
|
22.325
|
15.357
|
68,8
|
25 a 39 anos
|
47.117
|
38.136
|
80,9
|
40 a 59 anos
|
48.996
|
35.114
|
71,7
|
60 anos ou mais
|
26.576
|
6.038
|
22,7
|
Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua
|
Na população entre 14 e 17 anos e naquela com
60 anos ou mais, o percentual de integrantes na força de trabalho é baixo, ao
redor de 23% do total. Já os grupos em que há maior participação na força de
trabalho é entre a população situada entre os dois extremos, com destaque para
o grupo entre 25 e 39 anos, em que cerca de 81% compõem a força de trabalho.
Não deixa de ser interessante notar, contudo, que mesmo no grupo mais ativo,
cerca de 19% das pessoas encontram-se fora do mercado de trabalho.
Ainda mais chocante torna-se esta informação
quando se destaca qual o conceito de trabalho utilizado[i]:
qualquer pessoa que tenha desenvolvido alguma atividade profissional ou
procurado alguma atividade profissional durante pelo menos uma hora na semana[ii].
No conceito de força de trabalho estão incluídos até os que estão estudando
para realizar concurso público, por exemplo. Isto mostra que quase 30 milhões
de pessoas que encontram-se em idade produtiva optam por não trabalhar nem
procurar emprego no Brasil todo.
Agora vamos fazer um exercício de imaginação:
vamos supor que deste total de 30 milhões de pessoas, 75% esteja sem procurar
trabalho ou trabalhar por alguma razão como o desalento; procuraram emprego
durante muito tempo, mas não encontraram nenhum trabalho que as motivasse o
suficiente, e acabaram desistindo de procurar. Os outros 25% seriam aqueles que
simplesmente optaram por não trabalho, seja porque estão estudando (faculdade,
cursos técnicos), seja porque optaram por viver sem pegar no pesado (ou que
estão impedidos por doença, ou qualquer outro motivo). Estes 75% somariam 22,3
milhões de pessoas.
Vamos então somar estas pessoas aos 97,8
milhões que compõem a força de trabalho e o resultado será um total de 120,2
milhões de pessoas. Qual seria a taxa de desemprego neste Brasil hipotético, em
que 75% dos que nem emprego estão procurando decidissem procurar uma ocupação?
A resposta é (pasmem), uma taxa de desemprego de 24,66%! Este nível de
desemprego é compatível com a situação atualmente vivida por países como
Espanha e Grécia[3]. Isto é, o Brasil do pleno
emprego, torna-se uma nação com uma taxa de desocupação desesperadora.
Lembrem-se que estamos considerando um contingente de 5,6 milhões de donas de
casa, mendigos inválidos, incapazes e estudantes neste exercício. Se quisermos
inflar este grupo poderíamos considerar um total de 50% dos que estão fora da
força de trabalho nesta situação, o que ainda resultaria numa desocupação de
19,7%. Aqui, cabe a pergunta: onde está o pleno emprego, tendo em vista um
mínimo de 22,8 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, num universo de
112 milhões de trabalhadores?
[1]ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/2014/pme_201401pubCompleta.pdf
[2] http://www.ibge.gov.br/home/disseminacao/destaques/pdf/2013_12_09_nota_pnad_continua.pdf
[3] Em
2012 a taxa de desemprego na Espanha foi de 25,2%, enquanto na Grécia chegou a
24,5%, Portugal 16,4%, Irlanda 15,3% e Hungria 11%, fechando o ranking dos 5
piores da OCDE. Abaixo de 5% só Austria, Japão, Coréia do Sul, Noruega e Suíça.
Fonte: OECD (2013), "Unemployment
rate", Employment and Labour Markets:
Key Tables from OECD, No.
1.
doi: 10.1787/unemp-table-2013-1-en
doi: 10.1787/unemp-table-2013-1-en
[i]
“Define-se como procura de
trabalho que gera rendimentos para o domicílio a tomada de alguma providência
efetiva para consegui-lo, ou seja, o contato estabelecido com empregadores; a
prestação de concurso; a inscrição em concurso; a consulta à agência de emprego,
sindicato ou órgão similar; a resposta a anúncio de emprego; a solicitação de
trabalho a parente, amigo, colega ou por meio de anúncio; a tomada de medida
para iniciar o próprio negócio mediante procura de local, equipamento ou outros
pré-requisitos, a solicitação de registro ou licença para funcionamento do
empreendimento etc.”
[ii] São classificadas como ocupadas na semana
de referência as pessoas que, nesse período, trabalharam pelo menos uma hora
completa em trabalho remunerado em dinheiro, produtos, mercadorias ou
benefícios (moradia, alimentação, roupas, treinamento etc.) ou em trabalho sem
remuneração direta, em ajuda à atividade econômica de membro do domicílio ou,
ainda, as pessoas que tinham trabalho remunerado do qual estavam
temporariamente afastadas nessa semana. Consideram-se
como ocupadas temporariamente afastadas de trabalho remunerado as pessoas que
não trabalharam durante pelo menos uma hora completa na semana de referência
por motivo de: férias, folga, jornada de trabalho variável, licença maternidade
e fatores ocasionais. Assim, também foram consideradas as pessoas que, na data
de referência, estavam, por período inferior a 4 meses: afastadas do trabalho
em licença remunerada por motivo de doença ou acidente da própria pessoa ou
outro tipo de licença remunerada; afastadas do próprio empreendimento sem serem
remuneradas por instituto de previdência; em greve ou paralisação. Além disso,
também, foram consideradas ocupadas as pessoas afastadas por motivos diferentes
dos já citados, desde que tivessem continuado a receber ao menos uma parte do pagamento
e o período transcorrido do afastamento fosse inferior a 4 meses.
in:ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Notas_metodologicas/notas_metodologicas.pdf
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