UMA QUESTÃO DE DENSIDADE

Nas cidades brasileiras uma opção comum na hora de "planejar" as cidades é optar por densidades menores, favorecendo a expansão horizontal das cidades. Esta opção é feita em decorrência das ideologias de planejamento urbano, sobretudo as que prevaleceram no começo do século XX. A idéia básica que norteou o processo é que as grandes aglomerações humanas são ruins, e que baixas densidades são boas. Seria, de acordo com esta idéia, desejável manter as pessoas afastadas umas das outras, até mesmo como forma de permitir que elas sejam capazes de resolver seus próprios problemas.

Experiências como o projeto Pruit-Igoe, nos EUA, e tantas outras similares, pareciam corroborar a idéia. Para quem não conhece a história do Pruit-Igoe, vou resumi-la aqui: basicamente foi um empreendimento habitacional para populações de baixa renda, que consistia em construir prédios de apartamentos, de 11 a 18 andares, com vários apartamentos em cada andar. Cada um destes prédios ficava isolado um do outro por amplos jardins, de modo que as construções ocupavam pouco mais de 20% da área de cada terreno. A densidade demográfica da cidade, com esta forma de ocupação, não ficaria muito elevada, e haveria grandes áreas verdes da qual a população poderia desfrutar, além de permitir uma adequada infiltração do solo.

Este projeto habitacional foi um fracasso tão grande que cerca de 20 anos depois de sua inauguração optou-se por sua completa demolição. Vandalismo, violência, prostituição, tráfico de drogas, enfim, todos os problemas urbanos comuns a áreas não planejadas das cidades ocorreram ali numa escala incontrolável. Vários dos que se dedicaram a estudar o problema apontaram uma questão comum: a elevada densidade populacional, e o fato de que os vizinhos não conheciam uns aos outros, de modo que não podiam controlar as pessoas que entravam nos edifícios e, portanto, nada podiam fazer frente ao crime.

A alternativa encontrada a este tipo de projeto, invariavelmente, foi a redução da escala dos empreendimentos de habitação popular. Em geral, optou-se pela construção de casas ou outro tipo de moradia individual, em áreas pequenas, formando conjuntos de casas e/ou condomínios de residências. Na classe média também houve uma mudança de opção, fugindo dos apartamentos em direção a residências individuais em condomínios.

Os condomínios foram a alternativa encontrada para resolver o problema da violência. Porque residências individuais em cidades grandes são particularmente vulneráveis a arrombamentos e assaltos. Os condomínios, através do patrulhamento privado pago pelos moradores, acabam reduzindo esta vulnerabilidade, a um custo monetário suportável por seus moradores. Hoje, as grandes cidades estão cada vez mais tomadas por condomínios, sejam de apartamentos, para os projetos urbanos mais centrais, sejam de condomínios de sobrados e casas.

Tanto o primeiro tipo quando o segundo tem como problema o fato de serem grandes consumidores de espaço, o bem mais escasso dentro de uma cidade. Os grandes edifícios criam problemas de tráfego, porque concentram muitas residências e atualmente cada residência conta com um automóvel no mínimo, se considerada a média da população. Já os condomínios horizontais acabam consumindo muito espaço, pelo fato de serem ocupados por residências individuais, que necessariamente tem densidades menores.

Edifícios grandes, com mais de 5 andares, possuem diversas características que desfavorecem uma ocupação contínua, necessitando de grandes recuos entre eles. Isto acontece pelo fato de que sua altura limita a incidência de luz solar nas áreas vizinhas. Também ocasionam problemas de "cânion urbanos", já que uma vez alinhados ao longo das ruas criam corredores de vento e ao mesmo tempo paredões que dificultam a dispersão de poluentes.

Condomínios horizontais, por uma questão de preço, não podem deixar muito espaço livre para a infiltração de água. Normalmente, as residências usam no mínimo 40% do terreno. É comum que utilizem até 80% de sua área. Pela legislação de 1979, ainda em vigor, o parcelamento mínimo do solo é de 125 m², ou seja, 1/80 de hectare. Nesta condição, até 80% do solo pode ser impermeabilizado, ou seja, 100 m². É o espaço necessário para construir uma residência razoável, e ainda uma garagem para automóvel. O tamanho médio das residências no Brasil ainda é inferior a 80 m², mas em países como os EUA, o maior consumidor de espaço da atualidade, é comum que esta seja a área média por habitante, ou seja, considerando uma família com 3 pessoas, teríamos pelo menos 240 m² por residência. A tendência em nosso país, a medida que renda per capita vai aumentando, é que este consumo de espaço cresça. Podemos imaginar que num futuro não muito distante o mínimo tolerado será de 40 m² em média por habitante.

Se este for o cenário futuro precisaríamos de um acréscimo muito grande de área nas nossas já imensas e espalhadas cidades. Imaginando uma taxa de ocupação de 50%, seriam necessários 80 m² para cada habitante. Com isso, um acréscimo em 500 mil habitantes representaria um acréscimo de 40 milhões de m². Esta área, 4 mil hectares, 1.660 alqueires ou 40 km², pode ser obtida de diversas maneiras. Seguindo o atual padrão de expansão, boa parte dela será através de residência individuais, que devem chegar a 70% da expansão de residências. As habitações coletivas de grande porte irão representar uns 30%. Com isso, pode-se dizer que um acréscimo de 28 km² é o possível cenário futuro para este crescimento populacional. Isto se dará através da ocupação das áreas vagas dentro da cidade e também através da abertura de novas áreas. Estas novas áreas avançaram sobre lugares que hoje são chácaras, ou seja, ainda compõem áreas com perfil rural ou natural, muito importantes para o balanço hídrico da cidade.

Parte das áreas vagas da cidade não está disponível para expansão imobiliária, porque formam parques, espelhos d'água ou bosques públicos. Com isto, boa parte do acréscimo populacional de Curitiba, como já vem ocorrendo, se dará na Região Metropolitana, cada vez mais distante da área central, implicando gastos energéticos ainda maiores com deslocamento, além dos custos pessoais, possíveis de se medir em horas gastas com transporte.

Penso que uma das saídas mais inteligente está no aumento da densidade demográfica em áreas já construídas, ou seja, já existentes. Para tanto, modificações nas leis de uso do solo são necessárias, como a alteração dos gabaritos para construção. Com isto, é possível mudar radicalmente o perfil da expansão urbana, privilegiando o aumento da população em áreas mais próximas do centro, com a preservação do entorno. Para isso, não é necessária nenhuma lei nova, no sentido de restringir a ocupação de áreas distantes. Basta que esta ocupação seja desestimulada pela próxima irracionalidade que ela representa. Leis de zoneamento do solo menos restritivas podem desestimular o desenvolvimento urbano disperso. Volto a este tema no próximo texto.



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