JARED DIAMOND - A SAGA ANTI-CIVILIZACIONAL

No link abaixo há um texto de Jared Diamond, autor do livro "Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso" (Record, 2005), onde ele avalia o grande engano chamado agricultura. Há pouco tempo atrás ninguém daria bola para um autor deste tipo, mas o "progresso" das ideologias anti-civilizatórias, que advém de uma, até certo ponto, justa indignação contra as sociedades estamentais, levou a popularização de idéias deste tipo. O objetivo deste texto é apontar aquilo que é na minha visão o pior engano da raça humana hoje, em oposição ao texto de Jared Diamond.

http://www.scribd.com/doc/5037023/O-pior-engano-na-historia-da-raca-humana-Jared-Diamond

Meu objetivo é mostrar como algumas das interpretações de Jared Diamond podem ser vistas por um outro lado e aspecto, e sob uma outra perspectiva que normalmente está fechada para as pessoas que preferem acreditar que a civilização é um grande engano. Também serve como reforço contra os argumentos apresentados difusamente por um militante de causas do gênero, que ainda está perdido sobre qual é ou não o caminho a ser seguido.

A primeira afirmação do autor é a de que a agricultura é a causa "da brutal desigualdade social e sexual, doença e despotismo" que afligem nossas sociedades. O argumento é defendido recorrendo a resultados de estudos antropológicos e arqueológicos que mostram que os grupos de caçadores-coletores vivem melhor ou seja, com maior disponibilidade de calorias e mais tempo, que ao agricultores, sobretudo aqueles agricultores que se situam num nível apenas um pouco superior ao proporcionado pela caça e coleta. Ele apresenta em seu favor informações como a de que a dieta dos nômades era mais variada que a dos agricultores, e que o tempo dedicado às atividades de caça e coleta não era superior aquele gasto para cuidar de uma fazenda. Que as artes, supostamente potencializadas pelo maior tempo livro da agricultura, já conheciam um desenvolvimento bastante acentuado na época da caça e colete, e que a expectativa de vida dos coletores situava-se num nível superior, sendo de 26 anos, caindo para 19 entre os primeiros agricultures.

O erro, segundo Diamond, é que as pessoas escolheram a quantidade ao invés da qualidade ao passarem de nômades para sedentários. Dentro do dilema existente entre alimentar uma pequena população com qualidade ou uma população crescente com uma qualidade menor, escolhemos a segunda opção, e isto tornou a humanidade mais fraca, mas doente, além de mais desigual, porque gerou os conflitos de classe (senhor/escravo, burguês/trabalhador, rico/pobre, e, porque não?, homem/mulher). O outro argumento é que a humanidade passou a maior parte de sua história, isto é, de 100 mil anos os 90 mil primeiros anos muito bem, sem depender da agricultura, e que todas as nossas tragédias passaram a ocorrer a partir dos 10 mil anos posteriores, quando escolhemos a agricultura como forma de viver.

Os mais interessados em ler completamente as teses do autor, que estão resumidamente, mas sem prejuízo de conteúdo, apresentadas acima, podem fazer isto acessando o link no começo do texto. Minha tarefa agora é apresentar uma outra visão, ou seja, uma outra interpretação desta mesma história.

Há uma máxima que diz que contra fatos não há argumentos. De certa forma, esta máxima é verdadeira. Não há argumentos contra o fato de que a dieta alimentar de povos agrícolas primitivos era muito menos variada que a dos caçadores-coletores, tampouco que a disponibilidade de alimentos era muito mais constante entre os agricultores. Do mesmo modo não há como discordar de que a agricultura representa uma oportunidade de alimentar uma população maior, ainda que com menos qualidade, do que uma população menor. A questão a saber é se esta opção, ou seja, a escolha da agricultura, foi pautada por uma opção consciente ou por uma falta de alternativa.

O homem "primitivo" é tão inteligente quando nós mesmos. O QI da humanidade não aumentou o suficiente para que as diferenças na capacidade de aprender sejam grandes o suficiente para que possamos dizer que nosso cidadão médio é menos estúpido que um homem das cavernas médio. Portanto, se a humanidade fez a opção pela agricultura, certamente ela estava diante de uma opção que incluía variedade no seu estilo de vida.

Nenhum povo, até onde se sabe, passou do nomadismo para o sedentarismo abruptamente. Nós nunca passamos diretamente da caça e coleta para a agricultura, como Jared Diamond faz imaginar. Os próprios povos americanos são um exemplo disso: ao lado de caçadores coletores estritos, convivam povos que praticavam um nomadismo agrícola, isto é, ao mesmo tempo em que caçavam também cultivavam algumas plantas. Os agricultores só se estabeleceram como padrão predominante, e as calorias daí provenientes, quando a caça tornou-se escassa a ponto de não permitir este modo de vida. Sobretudo porque entre ter que escolher a morte de nossos filhos, muitas vezes criados com muito custo, as pessoas devem ter escolhido uma vida mais pobre, porém mais estável. Nos locais onde surge a agricultura intensiva, normalmente baseada na monocultura, ou no cultivo de três ou quatro plantas, o crescimento da população enveredou para uma trajetória que já não permitia o retorno a situação interior. Sobretudo, por conta da redução drástica dos estoques de caça.

Caçar pode ser uma atividade lúdica, mas quando maior a pressão sobre a reserva de caça, mais difícil torna-se realizá-la como atividade cotidiana. Diamond não parece levar esta situação em conta. O controle populacional também é complicado de se manter, porque até o desenvolvimento da moderna medicina, matar um criança, isto é, cometer o infanticídio ou o aborto, era uma aposta arriscada em termos de manutenção populacional, porque o grupo humano vivia sempre na iminência de desaparecer. Até por uma questão de instinto ou reflexo de sobrevivência, o mais natural é procurar preservar uma prole tão grande quando possível.

Mas podemos avaliar a agricultura pelos seus frutos contínuos no desenvolvimento da humanidade. Se no começo, isto é, quando ela foi inventada, ela diminuiu o padrão de vida, isto pode ser explicada: ela foi uma alternativa à inevitável morte que viria a ocorrer, e que talvez seja a causa da extinção de outros homídeos nômades não agricultores, como o homo erectus e o homo neanderthalis. Portanto, a redução da expectativa de vida foi compensada pela possibilidade de se continuar vivo. Outra questão é que a humanidade, além de ter crescido ininterruptamente (quando considerada a população total), tem conseguido elevar constantemente a expectativa de vida, o consumo de calorias e o controle de doenças desde a invenção da agricultura. Até mesmo no Haiti, país mais pobre da América, o padrão de vida mínimo, isto é, o consumo de calorias e a expectativa de vida é superior ao dos povos mesolíticos e neolíticos que antes habitavam a América, apesar de uma densidade demográfica muito superior.

Outro ponto a se considerar é a questão de que a agricultura é a causa da desigualdade entre os homens. De fato, num primeiro momento, a agricultura acentuou as desigualdades entre os homens. Porque numa situação de caça e coleta, os mais fortes e hábeis tendiam a ser favorecidos, por conta de sua capacidade de melhor resistir ao frio e ao calor, de caminhar e correr por longos períodos e de aproveitar-se dos melhores meios a disposição para obter alimento e sexo, os dois pré-requisitos para a continuidade da própria vida e da espécie. Já com a agricultura, quaisquer pessoas, incluindo os velhos, os fracos e os estúpidos, poderiam viver, aumentando a desigualdade e "piorando" a seleção dos mais aptos, inteligentes e hábeis. Mas com isso, a humanidade certamente abriu espaço para que alguns os mais fracos fisicamente pudessem manifestar sua maior inteligência (uma hipótese), contribuindo para o aumento da variedade genética da espécie, já que mais indivíduos, mesmo os aparentemente menos adaptados à caça e à coleta, pudessem sobreviver.

Atualmente, mesmo considerando as desigualdades "naturais", isto é, biológicas, as pessoas certamente são mais iguais entre si nas sociedades agro-industriais desenvolvidas que nas sociedades de caçadores coletores primitivas, apesar de serem muito mais diferentes sob o ponto de vista genético. A agricultura e as atividades que dela dependem para existir, é que permitiram que a gente pudesse recorrer ao controle populacional sem necessitar do assassinato ou ao coito interrompido, ou outras como a amenorréia lactacional.

E quando avaliamos o argumento final, o de que a agricultura é um desvio recente na história humana, isto me leva a pensar no seguinte: daqui a 100 mil anos, continuado o desenvolvimento agrícola e tecnológico no ritmo atual, como estará a humanidade? Isto é, sendo a agricultura um desvio tão recente, e que tantos benefícios já nos trouxe, porque não imaginar que nos próximos 90 mil anos não poderemos levar todos os seres humanos para um padrão de consumo de calorias e anos de vida sequer sonhado pelos bosquímanos primitivos?

Jared Diamond, através uma argumentação viciada, que só quer contrastar os males da civilização a seus inegáveis benefícios, dá ao nomadismo o argumento de antiguidade que ele nega à civilização. Creio, contudo, que este autor recuperou-se parcialmente deste seu neoludismo, em seu livro Colapso. Mas apenas parcialmente. Em outro momento, volto com uma resenha deste livro, agora que alguns pontos controversos da argumentação do autor podem ser melhor compreendidos à luz de seus ensinamentos passados.

Finalizando, será que a aposta da humanidade na agricultura foi tão ruim assim? Seria possível voltar atrás? Creio que a resposta às duas perguntas acima é a mesma: não. Não foi uma aposta ruim, porque provavelmente, nem eu tampouco os defensores dos argumentos de Diamond podemos provar absolutamente sem recorrer a uma viagem no tempo, a alternativa a agricultura e todos os seus males não era a vida idílica selvagem, mas a morte, e talvez até mesmo a extinção de nossa espécie. Segundo, porque só poderíamos voltar atrás contrariando o mais forte, ou pelo menos aquele que acreditamos ser o mais forte, dos instintos animais que conservamos: o de sobrevivência. Para voltarmos atrás, num mundo de caça e coleta, seria necessária a morte de parcelas gigantescas da humanidade, para voltar a um nível de vida que poderia até ser melhor que o de agricultores pobres da Etiópia, mas certamente seria muito inferior aquele que desfrutamos hoje, até mesmo numa sociedade "subdesenvolvida" como a nossa.

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