NOTAS SOBRE O ETANOL

NOTAS SOBRE O ETANOL

por Fernando Raphael

 

Muito tem sido dito sobre o etanol, principalmente nos últimos meses, por causa da onda de biocombustíveis que se abateu sobre o mundo. Nos EUA é comum dizer que os biocombustíveis utilizam mais energia para serem produzidos do que a gasolina, o que os tornaria mais poluidores que os combustíveis fósseis, no final das contas. O problema, ao meu ver, é que quando se fala sobre isso nos EUA e Europa se tem em mente o processo que eles utilizam para obter os biocombustíveis, que é diferente do nosso. Neste texto procuro fornecer alguns dados que auxiliaram o leitor a compreender melhor a discussão.

            Há um conceito chave para essa discussão que é o de balanço energético. Balanço energético é a relação entre a quantidade de energia que entra no sistema para produzir combustível e a quantidade de energia que sai ao final do processo. Se ela for igual a 1, significa que o combustível gasta o mesmo tanto de energia para ser produzido em relação a que ele consome. Se for menor que um, o combustível gasta mais energia pra ser fabricado do que a que ele libera depois. Maior que um ele tem um balanço energético favorável ao seu uso.

            A gasolina se popularizou como combustível no lugar do álcool (já que os primeiros motores a combustão eram movidos a álcool) porque seu balanço energético era favorável. É mais fácil obter gasolina a partir do petróleo do que álcool. Acontece que também é possível obter álcool de outros produtos, como sabemos por meio das bebidas alcoólicas. Essa razão também explica porque o diesel é mais barato que a gasolina, já que é mais barato obter diesel que gasolina a partir do petróleo. Na Europa, atualmente, parte considerável da frota é movida por motores diesel, e o mesmo ocorre em países como Argentina e Paraguai. Nos EUA, em função da escala da produção, a gasolina acaba sendo mais barata.

            Mas voltando a questão do balanço energético (BE), esta razão determina a praticidade no uso de um combustível. Para se obter álcool a partir do milho, o BE fica e próximo de 1, próximo a 1,3. Como essa razão é muito próxima de um, acaba por ser economicamente dispendioso obter etanol de milho. Os processos que obtém etanol a partir da madeira, ou beterraba, em geral tem processos com BE negativo, o que implica em gastar mais energia para produzir o combustível do que aquele que ele contém.

            A obtenção de etanol a partir de cana-de-açúcar, no entanto, possui um balanço muito positivo no Brasil, estimado em algo próximo a 8 por 1. Isso quer dizer que para cada unidade de energia que entra no sistema de produção do etanol de cana-de-açúcar, saem 8 unidades na forma de combustível. São poucas as culturas que apresentam um BE positivo, e certamente o álcool de cana é o que tem o melhor BE. Isso acontece porque boa parte da energia usada no processo de obtenção da cana-de-açúcar provém do próprio canavial. A cana-de-açúcar produz muita palha, e também uma espécie de madeira, e ambas são usadas na geração do calor necessário para fermentar o melaço e produzir o álcool. A necessidade de fertilizantes e agrotóxicos também é pequena, em comparação com outros cultivos, o teor de açúcar na cana é muito elevado.

            Todos esse fatores contribuem para a eficiência energética do processo, e torna viável, química e economicamente a produção de etanol no Brasil. Obviamente, toda essa eficiência foi conquistada com os anos de pesquisa e desenvolvimento que se passaram deste a criação do pró-álcool, e parte dessa eficiência dos canaviais deriva da experiência brasileira na produção de açúcar, que vem desde o tempo da colônia. Os nossos agricultores são muito experientes no manejo da cana, além de termos muitos técnicos na área. Por isso nossa produção é tão eficiente. No Brasil, portanto, a obtenção de etanol é um processo perfeitamente viável do ponto de vista do balanço energético, e é por isso que ele é o mais extenso do mundo. Já se usa até mesmo o excedente das usinas de álcool para a geração de eletricidade, de modo que o canavial torna-se uma grande fábrica de energia.

            Mas além do balanço energético, que se relaciona com a eficiência ambiental do processo de obtenção de etanol, há uma outra questão: a questão da viabilidade econômica. Para ser economicamente viável o etanol ou álcool não pode custar mais que 70% do preço da gasolina. Há um razão para isso. É que o litro de álcool possui apenas 70% do potencial calórico de 1 litro de gasolina. Isso não se relaciona ao desempenho, que é até superior no álcool, mas sim no consumo. Um carro álcool sempre irá gastar 30% mais combustível que um carro a gasolina. Portanto, ele deve custar no máximo 70% do preço, para que haja uma relação econômica de igual para igual.

            O grande problema nesse processo, é que o álcool utiliza a mesma matéria prima de um outro bem muito cobiçado no mundo, que é o açúcar. Portanto, quando o consumo ou preço do açúcar sobe, torna-se mais vantajoso produzir açúcar que álcool (o complexo fabril também o mesmo do álcool). No final dos anos 1980, a crise que se abateu sobre o setor ocorreu por causa disso: uma alta no preço do açúcar sem o correspondente aumento no preço do álcool. Depois, quando o preço do açúcar caiu, houve um aumento na oferta de álcool, e os preços, obviamente caíram. Mas então os carros a álcool já estava desacreditados no mercado nacional.

            Portanto, sob o ponto de vista econômico, o álcool só é viável quando o preço do açúcar está baixo e seu custo não excede, para o consumidor, 70% do preço da gasolina. Deve-se considerar que até a "invenção" do carro flexível em combustível no Brasil, a solução encontrada para manter a produção de etanol e dar vazão aos excedente era aumentar o uso do álcool como aditivo da gasolina. Atualmente essa adição tem variado de 20 a 25% do volume total. Isto significa que mesmo os carros a gasolina rodam com cerca de ¼ de álcool no tanque. Essa foi a forma encontrada pelo governo pra garantir mercado aos produtores de álcool e para regular o preço do álcool ao consumidor.

            Concluindo, pode-se dizer que mesmo tendo um BE favorável, o uso do álcool só é economicamente viável quando leva-se em conta seu preço em relação aos outros combustíveis. Além disso, o uso de biocombustíveis só pode ser considerado uma alternativa ecológica quando se tem em mente a relação do balanço energético com a questão da eficiência econômica do combustível. No próximo texto procurarei fazer uma avaliação das relações de preço entre os diferentes tipos de combustível, e também avaliar a aplicação do biodiesel nos motores convencionais.

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