AS COMMODITITES, O MERCADO GLOBAL E UMA QUESTÃO PARA O SÉCULO XXI?
Por Fernando Raphael Ferro
Bem vindo ao século XXI |
A Folha
de S. Paulo de hoje noticiou a queda do barril de petróleo abaixo dos US$ 50,00
em Londres. Seu preço está cotado já há algumas semanas abaixo disse nos EUA e
a tendência parece ser de queda. As grandes petrolíferas estão todas em
situação parecida: cortes em investimentos, redução de postos de trabalhos e
margens de lucro cada vez mais apertadas.
Há
muitas explicações para o que está ocorrendo no mercado global de petróleo, mas
a questão é que a queda de preços não ocorre apenas neste setor. A mesma Folha
noticia igualmente a queda nos preços da soja e do minério de ferro. A culpada
da vez é a China, cuja demanda freou sua economia, que agora, desaquecida, tem
crescimento projetado de “apenas” 7% para este ano. O valor é ainda muito alto,
sobretudo considerando o montante do PIB chinês. Contudo o apetite voraz por
commoditities parece ter feito o mundo todo arrefecer.
O que está ocorrendo afinal? No campo do
petróleo, dizem, a culpa seria das reservas de gás de xisto, que baratearam a
energia no mercado americano e com isso fizeram despencar os preços da energia.
Contudo, pode-se dizer que este efeito foi deveras pequeno para jogar o preço
do barril de mais de US$ 120,00 para menos de US$ 50,00, em que pese todo o
tamanho e importância da economia americana. O Brasil, por mais que esteja
exportando algumas gotas de óleo, ainda não é um grande produtor mundial, a
demanda chinesa desaquecida, não diminuiu tanto assim. A explicação deve estar
em outro lugar. O gráfico 1[1]
ajudará a compreender um pouco melhor o que quero dizer:
Repare a semelhança no comportamento das curvas ao longo do tempo o R² fica acima de 0,85 para as três. |
A série mostrada no gráfico se inicia em
julho de 1985 e termina em fevereiro de 2015. Mostra o preço de três
importantes commodities: o minério de Ferro, o Milho e o Petróleo. Note que o
milho manteve seus preços praticamente no mesmo patamar durante duas décadas. A
partir de 2006 o preço disparou, para voltar a cair e então subir
acentuadamente novamente entre 2010 e o final de 2013. Muitas apostaram numa
tendência sem volta de que o preço da tonelada do milho ficaria para sempre
acima de US$ 200,00, apesar da tendência história situar-se em US$ 100,00/t. Um
dos responsáveis foi o etanol à base de milho, mas novamente, é muito pouco
impacto para explicar uma variação de 3 vezes no preço.
No minério de ferro a variação foi ainda mais
intensa: sua cotação história sempre situou-se abaixo de US$ 20,00. No final de
2004, sua cotação começou a subir, mas rompeu a barreira dos US$ 50,00 no
começo de 2008 como que num salto. Dali seu preço disparou para além dos US$
150,00, atingindo o máximo por volta de 2010. Após uma forte queda, votou a
subir, e só ao final de 2013 tornou a cair. A economia chinesa seria a
explicação, mas teria havido uma variação tão grande assim na demanda por
minério de ferro no mundo?
Por fim, o petróleo. Sua curva pregressa é
cheia de pequenos picos, mas romper a barreira dos US$ 50,00 é um fenômeno
recente. Apenas em 2004 isso ocorreu. O pico foi aproximadamente em 2008,
quando se aproximou de US$ 150,00, correspondendo ao ápice de algumas tensões
no Oriente médio. Depois de uma forte queda, seu preço tornou a subir, mas
desde 2014 mostra uma tendência acentuada de queda. Seria o Xisto a principal explicação?
Meu palpite é que muita especulação se deu de
2004/2005 em diante nestes mercados de commodities. Isso ocorreu, sobretudo
depois do estouro das bolhas ponto.com em 2001 e de algumas ondas de desregulamentações
nos mercados europeu e asiáticos que levou ainda mais investidores às bolsas.
Muitos fundos puseram-se a apostar nestes produtos. Contudo, desde a crise imobiliária
americana, o mercado ficou mais arriscado para apostadores que não podem
dedicar muito tempo e capital na bolsa. Além disso, muitas oportunidades na
economia real podem ter se aberto desde então, tirando gente dos negócios “virtuais”
das bolsas e levando-os para as ruas. Com isso, os mercados de futuros destes
produtos acabaram se desinflacionando. É um palpite.
É muito difícil lidar com deflação, ainda
mais em escala global. Países como o Brasil, que são grandes vendedores destes
produtos, foram os maiores beneficiários do momento especulativo anterior.
Agora iremos sofrer muito se a tendência foi a de volta a preços mais ou menos
estáveis. Supondo que o preço do barril estacione ao redor de US$ 30,00 o
barril, boa parte das apostas da Petrobrás serão um barco furado, e todos os
seus parceiros afundarão juntos, solidariamente.
Quem investiu pesado na ampliação de suas
lavouras de milho, apostando na alta incessante dos preços, irá amargar um
retorno ao patamar de US$ 100,00/t, onde só os mais eficientes irão permanecer.
Isso se no retorno, o preço não for ainda menos, pela oferta maior.
Quando ao minério de ferro, sabemos que no
Brasil foram feitos grandes investimentos para atender a demanda chinesa. A
Vale do Rio Doce, sozinha, duplicou sua linha ferroviária de acesso entre o
porto e a mina, investindo bilhões de reais. O prazo de retorno certamente irá
aumentar se o minério de ferro ficar abaixo dos US$ 50,00 por tonelada
novamente. Este é o risco de se vender commodities.
Com base nos dados obtidos no site Index
Mundi para montar o gráfico, resolvi aplicar um teste de correção entre os
preços. Os resultados foram: R²=0,8558 para Ferro e Milho R²=0,8586 para
Petróleo e Milho e R²=0,8737 para Petróleo e Ferro, considerando o período todo.
A pergunta que fica a respeito destas duas
primeiras décadas do século XXI é: será esta uma tendência (queda no preço das
commodities e retorno a média histórica), ou seus preços voltarão a subir? A
pergunta me parece relevante pelo seguinte: caso os preços subam, nem que a uma
pequena taxa, mas acima da inflação, o Brasil poderia dar-se o luxo de
continuar sendo uma economia perdulária como tem sido, sem preocupação com o
aumento da produtividade. O crescimento dos preços do que vendemos nos tornaria
mais ricos e a demografia se encarregaria de impedir que sucumbíssemos ao peso
de nosso gigantismo.
No começo do século XX nossa aposta foi por
este caminho, mas deu errado. O café, a borracha e a erva-mate não sustentaram
seus preços, e nos vimos em meio a um caos social e político que culminou na
industrialização atabalhoada e na urbanização caótica que nos trouxe onde
estamos hoje. No começo do século XXI, após as reformar liberalizantes
iniciadas no governo Collor, não terminamos com nenhuma indústria exportadora
de classe mundial (exceção feita à Embraer?) e nossa pauta depende,
basicamente, da soja, açúcar, minério de ferro e mais algumas commodities (café, madeira, celulose).
A tendência mundial dos últimos 120 anos é de
queda no preço destes produtos, quando descontada a inflação, com alguns lapsos temporais, breves interrupções, como nos últimos 10-15 anos. Assim sendo, retornaremos à tendência? Para
mudar nosso rumo, sem convulsões ou caos social, muito precisa ser feito. Mas
haverá tempo? Haverá vontade? Teremos capacidade? Por estas e outras me
questiono se, no fundo, o Brasil não é o país sem futuro!
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