UBI ES
Por Fernando Raphael Ferro
Vivemos uma era interessante. Um novo mundo
se abre cheio de possibilidades na palma de nossas mãos. Quem nos anos 1990
poderia imaginar que aqueles aparelhos desengonçados, caros, que aqueciam
nossas orelhas tornar-se-iam protagonistas de mudanças sociais tão intensas
como a que vivemos. Ou que algumas linhas escritas em linguagem de máquina que
poucos compreendiam virariam impérios de cabeça para baixo.
No entanto, tudo isso ocorreu. Os smartphones
e a internet, ligados umbilicalmente, estão promovendo mudanças profundas no
modo como os negócios são feitas e em como as pessoas interagem. Obviamente, a
regulação estatal está atrasada em relação a isso. Obviamente, isso ocorre
porque, na maioria das vezes, esta regulação é excessiva e desnecessária.
Vou comentar neste texto, que começa
perguntando ao leitor “Onde estás?”, três singelas tecnologias derivadas do uso
combinado de smartphones e internet que estão ameaçando os interesses de
grandes conglomerados. A primeira, cuja discussão é ubíqua nos jornais, é a
questão do UBER. Taxistas protagonizaram nos últimos meses atos de barbárie
contra trabalhadores que ousaram desafiar seu suposto direito divino ao
monopólio do transporte de passageiros em automóveis.
Perseguem, vandalizam, e até sequestram
motoristas que trabalham através do aplicativo Uber, ameaçando inclusive a
integridade dos passageiros. Estes atos de barbárie incluem ameaça física
contra defensores do aplicativo que ousam defende-lo nas câmaras de vereadores
de cidades como São Paulo, em que a liberação ou não do app estava em pauta.
As licenças para taxi, contudo, são um
absurdo no país. Em troca de subsídios para comprar um carro, que significam
descontos de até 35%, é exigida uma licença que, no mercado negro custa ao
redor de R$ 200 mil. Obviamente, poucos possuem estas licenças, e muitos
trabalham para os donos destas autorizações. Em troca, os motoristas devem
atuar cobrando estritamente o que é apontado pelos taxímetros, cuja tarifa é
extorsiva em quase todas as cidades onde existe.
Fosse um mercado mais livre, o Uber não teria
qualquer incentivo para existir. Explico. Por que, por exemplo, exige-se o tal
alvará? Por que um número máximo de táxis na cidade? Por que a tarifa é
definida em lei e não individualmente, ou ainda por meio de autor regulação,
deixando a cargo de cada motorista cobrar o que bem entende?
O segundo app em evidência é o Whatsapp.
Tornou-se onipresente em quase todos os smartphones. Utiliza a internet para
realizar a troca de mensagens, imagens, voz e vídeos, de modo que sai muito
mais barato seu uso do que realizar a mesma função a partir do SMS das operadoras
da rede de telecom, que inclusive cobram por cada mensagem. Mas, obviamente, as
operadoras que viram seu tráfego de SMS despencar acusam o Whatsapp de
concorrência desleal, ainda mais depois da implantação de um serviço de
chamadas por meio do aplicativo. O uso de voz sobre IP torna as chamadas
gratuitas, sobretudo quando há disponibilidade de redes de alta velocidade.
No fundo, nada há de desleal na concorrência
do Whatsapp. O que há é o uso de uma tecnologia mais nova para realizar um
serviço antigo: a comunicação. Foi assim que o e-mail ganhou adeptos e tornou a
correspondência escrita algo anacrônico. Da mesma forma, o telefone celular
está tornando as linhas fixas algo indesejável. Não há algo como lealdade
nisso. A questão é que grandes companhias de telecomunicação tornaram-se, ao
longo do século XX, importantes fontes de receita pública. Por serem
monopólios, era fácil tributá-las. Hoje este é um dos setores mais tributados
do Brasil. Sua perda de receita significa, também, perda de impostos.
Por fim, vou tratar rapidamente do Netflix. O
sistema de video on demand ( vídeo sob demanda), praticamente está eliminando
as vídeo locadoras de todo o país. Nas cidades grandes já é difícil encontrar
este tipo de estabelecimento. Mas enquanto era só este tipo de comércio que
sofria, ninguém prestava atenção a este tipo de fenômeno. Mas agora a coisa
mudou de rumo. O Netflix, com o crescimento da sua base de filmes e seu
investimento pesado na produção de séries exclusivas (por sinal de altíssima
qualidade), começou a tirar mercado das grandes redes de TV por assinatura.
No Brasil, obviamente, TV por assinatura é um
oligopólio de três ou quatro companhias distintas, que possuem toda a
infraestrutura disponível. Algumas transmitem o conteúdo via satélite, outras
via cabo, mas essencialmente são os mesmos canais a disposição em pacotes que
nem sempre atendem a necessidade do consumidor.
No Netflix é diferente. Há um catálogo de
opções e o consumidor escolhe o que quer assistir, na hora em que quer
assistir. Se quiser, pode fazê-lo a partir de um smartphone, ou de um
computador. Ou da TV de casa. Não há necessidade de um decodificador. A única
necessidade é um código de acesso. Sem técnicos malcheirosos mostrando o
cofrinho em sua sala de estar enquanto conectam cabos e furam paredes. Só uma
assinatura virtual, realizada com seu e-mail. O cancelamento também é simples,
sem call-center e ligações intermináveis. E o preço é irrisório. Enquanto na TV
por assinatura não se paga menos de R$ 50,00 mensais por um pacote básico, o
Netflix completo sai por R$ 19,90.
Algo tão vantajoso ao consumidor obviamente
cairia na desgraça dos oligopolistas, que já reclamam de concorrência desleal.
Afirmam que o Netflix não paga impostos como eles, não oferece a cota mínima de
conteúdo nacional, e todas estas bobagens. Se o consumidor estiver insatisfeito
com o conteúdo do Netflix, basta cancelar a assinatura, assim como tem feito
com as operadoras de TV a cabo. Ou não sintonizar a TV, como é o caso da TV
aberta. Tempos atrás, para sujeitar-se as exigências oligopolísticas da TV
aberta, a TV por assinatura sujeitou-se a absurdos que contrariavam o
consumidor. Hoje querem sujeitar as novas tecnologias aos mesmos absurdos.
Mas não é este o caminho. O caminho é o
inverso. Não é na aplicação de velhas regras que reside a solução destes
conflitos, mas na aceitação de novas regras. Os velhos taxistas devem se
conformar que o mundo antigo deles acabou. Que não há necessidade de carros
subsidiados pelo estado para a oferta de frete de automóveis urbanos. Que aplicativos
podem auxiliar consumidores a encontrar bons motoristas, com bons carros, trabalhando
com preços justos previamente acertados. E que o Estado pode cobrar por isso,
um imposto que seja justo, sem a necessidade de subsidiar ninguém. Sem a
necessidade de carros com cor específica.
Que as operadoras de Telefonia talvez devam
se concentrar mais em garantir a qualidade de seus serviços, em expandir suas
redes, em garantir o sinal e em ofertar internet aos seus clientes, já que o
SMS é um serviço cada vez menos demandado. E que o Whatsapp cresça de floresça,
enquanto eles aproveitam para cobrar pelo crescimento do trafego de dados. E se
o governo perde receita tributária com isso, por um lado isso é ótimo, porque todos
nos tornamos um pouquinho mais ricos.
Por fim, que não sejam as redes de TV por
assinatura que venham a ditar o que, como e quando devamos assistir. Que não
sejam elas a definir quanto de conteúdo nacional devemos ter a disposição.
Afinal, quem deve controlar a programação do que assisto, em última instância,
sou eu. E do que você assiste, leitor, é você. O youtube está aí para mostra
que nunca se produziu tanto conteúdo nacional na história, por mais que a
maioria seja de qualidade deplorável. Ainda assim, muita coisa boa surgiu,
sendo que algumas até ganharam o universo da TV aberta e da TV por assinatura.
Isto é, o vídeo sob demanda permitiu algo que nunca as redes de TV teriam
permitido. Que vivam e floresçam as novas tecnologias. A regulação, que deve
existir, deve servir apenas para impedir o abuso, nunca o uso do que há de
novo.
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