RESENHA: Mulheres, de Charles Bukowski. Tradução de Reinaldo Moraes.
Por Fernando R. F. de Lima.
Se os livros tivessem aquela classificação indicativa que bem atrás dos jogos de video game e dos filmes, a maioria dos livros de Bukowski ficaria reservada para maiores de 16 anos, e este livro, Mulheres, para maiores de 18. O tema sexo e violência está presente em todo o livro. Menos violência e mais sexo, diga-se de passagem. Mas é um tipo de literatura despretensiosa, que me agrada, porque a leitura pode ser feita sem o menor compromisso. Muito do que lemos em Bukowski, com seu estilo autobiográfico, (“ficção é a vida melhorada”, diz uma frase atribuída a ele), é como a vida mesma: vazia e sem sentido na maior parte do tempo, mas iluminada por alguns momentos de grandeza.
Para ilustrar o que digo, destaco duas passagens:
“A segunda luta foi boa também. A galera berrava e urrava e se empapuçava de cerveja. Eles tinham fugido provisoriamente das fábricas, armazéns, matadouros, postos de gasolina, e estaria de volta ao cativeiro no dia seguinte. Mas agora, estavam fora embriagados com a liberdade. Não estavam pensando na pobreza nem na escravidão. Nem na humilhação do seguro-desemprego e das cotas alimentares. Nós, os do lado de cá, estaremos bem até o dia em que os pobres descobrirem como fazer bombas atômicas no porão de casa.” p. 109.
A idéia de que ao assistir as lutas de boxe, em locais relativamente improvisados, a “galera” alcança a liberdade, tem um certo quê filosófico, digamos assim. Mas uma filosofia despretensiosa. O autor não faz um tratado disso. Diz apenas o que ele pensa. Quando se coloca do lado de cá, conosco, na verdade ele não está querendo afirmar uma pretensa luta de classes. No fundo, tampouco estamos nós longe dos mexicanos, negros e brancos pobres que assistem as lutas sangrentas.
Nós somos estes negros, mexicanos e brancos pobres. Os livros de Bukowski são como um retrato de nosso próprio cativeiro. São como assistir nossos vídeos domésticos nas video-cassetadas da TV . Se os pobres (nós), imagino eu, fizessem bombas atômicas no porão de casa, eles as utilizariam por diversão. A cerveja, símbolo da embriaguez, nos traz a verdadeira libertação: dopar-se, fugir do mundo, das amarras da realidade é a única forma de liberdade.
Algumas páginas depois, ilustrando a percepção que uma de suas mulheres teve dele, Chinaski (alter-ego de Bukowski), escreve:
“Eu era uma soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, idéias, ideais, nem me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não ser. E aceitava isso. Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante; dava muito trabalho. Eu queria mesmo era um espaço sossegado e obscuro para viver minha solidão. Por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo e não conseguia nada. Um tipo de comportamento não casava com o outro. Pouco importava.” P. 113
No fundo, este não é o tipo de observação que nos leva à autocrítica. É um parágrafo que sintetiza aquilo que nós mesmos estamos pensando da personagem neste ponto do livro. Também não diz nada generalizável. Cada um de nós é preguiçoso e ambicioso à sua maneira. Ele apenas se reconhece como contraditório em seus estados: a mesma embriaguez que liberta é a que o leva a querer tudo e nada alcançar. A sobriedade, que lhe permitiria realizar o que o bêbado deseja traz à tona um cara obscuro, quase suicida. É de se ressaltar que o protagonista só escrevia após beber muito. Vivia ébrio. A razão pode ser o hábito. Um cerveja no café da manhã, no final das contas, é como o próprio café.
Gosto desta franqueza, desta literatura que nos leva ao espelho, mas não espera que retornemos lá um dia. Não espera mudanças de vida. Se esperasse, seria um livro de auto-ajuda. A vida a apenas segue, e seguimos com nossos defeitos e qualidades, se é que restam algumas. No final do dia, quando saímos do cativeiro, tomamos outra cerveja e assistimos outra luta. Com sorte, chegamos ao outro dia.
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