SOBRE DEMOCRACIA E LIBERDADE

O nome deste blog junta duas palavras que parecem sempre caminhar juntas. No entanto, estive pensando sobre o significado destas duas palavras e sobre a interpretação que as pessoas comumente dão a elas. Primeiramente, democracia não é sinônimo de liberdade. E vice-versa: liberdade não é sinônimo de democracia. Tampouco podemos dizer que democracia implica liberdade e que liberdade implica democracia. A democracia é um sistema de governo, que foi pensado para que os súditos do Estado tivessem controle sobre ele. Já a liberdade é uma conquista, que pode ser assegurada de diversas formas, dentre as quais a democracia. Mas a democracia também pode ser uma inimiga da liberdade.
Há democracia, ou ao menos um sistema de escolha política baseado no voto em países como o Irã, por exemplo, e todas as “repúblicas socialistas” tinham sistemas eleitorais, como ainda hoje em Cuba, que elegem, ao menos formalmente, o mesmo candidato sempre. Portanto, escolher, ainda que apenas formalmente um candidato ou as políticas postas em prática não assegura a liberdade em uma democracia. Porque a democracia, de um modo geral, tende a ser a ditadura das massas se não for controlada por alguns outros valores.
A liberdade é um destes valores. Liberdade, como a concebemos, é baseada em três formais princípios básicos: a liberdade de consciência, a liberdade econômica e a liberdade política. É difícil dizer qual delas é a primeira, mas de um modo geral, não existe liberdade política sem liberdade econômica, ou então ela é muito restrita, do mesmo modo que não existe qualquer uma das outras liberdades sem a liberdade de consciência, que é a primordial.
A liberdade de consciência é o direito de pensar de acordo com suas próprias convicções e de manifestar estes pensamentos sem coação. A principal manifestação desta é a liberdade religiosa. Num regime teocrático, onde há uma religião oficial e a discordância é proibida, a liberdade de consciência fica restrita. Este é o caso dos países socialistas, onde há um credo oficial, e onde a discordância deste credo é punida. Também é o caso das teocracias islâmicas, como a Arábia Saudita e o Irã. Também é o que ocorre em lugares como a Rússia, ou em qualquer país onde não há uma separação definida entre o poder civil/laico e o poder religioso/tradicional.
A liberdade econômica é a liberdade dada aos cidadãos para empreenderem, ou seja, para lançarem novos produtos, criarem novas formas de produzir, inventarem novas formas de empregar seu trabalho. A liberdade de consciência, que permite as pessoas seguirem suas convicções também libera o potencial criativo para inventar novas formas de produzir e consumir as coisas que existem no mundo. Um exemplo disso são as regras contra a usura existentes na Idade Média européia, que atravancaram o desenvolvimento dos bancos e do sistema de crédito. A liberdade econômica, contudo, deve estar sempre subjugada a liberdade de consciência, para que não seja permitido comprar pessoas, ou seja, escravizá-las por dívidas ou por contratos que limitem sua possibilidade futura de mudar de rumo.
Por fim, a liberdade política, dependendo do significado que lhe é atribuído, deriva também da liberdade de consciência. Isto porque fundar uma congregação religiosa, apesar do valor simbólico e cultural estar intimamente atrelado a expressão da liberdade para pensar e agir conforme suas concepções, não deixa de ser também um ato político, um ato de associativismo entre diferentes pessoas, que pode desafiar o poder leigo ou tradicional religioso estabelecido.
Todas estas formas de liberdade são sempre parciais, limitadas pelo contexto em que as pessoas vivem. No caso de uma tirania suprema, absoluta, que controlasse todos os aspectos de nossa vida, restaria sempre a possibilidade ou esperança de encontrar refugio para nossas idéias dentro de nossos pensamentos. De certa forma, todas as imposições e regras, e os “mecanismos” de auto controle existentes em nossa sociedade nos “tiranizam”, num sentido metafórico, diariamente. E buscamos um refúgio para esta tirania dos hábitos e costumes num processo de ensimesmamento, ou seja, de voltar-se para dentro de si, o que pode ser feito através de ideais de transcendência, por exemplo.
Portanto, devemos sempre ter em mente que toda liberdade é sempre uma liberdade mediada pela sociedade, e que o Estado, ao mesmo tempo em que é o principal aparelho de coerção e compulsão existente, é também, por causa deste seu mesmo poder, o garantidor das liberdades derivadas, ou seja, das liberdades econômicas e políticas. Vou comentar em outros textos o papel dos meios de compulsão e coerção dos indivíduos que não passam pelo estado, e o papel das instituições em contra balancear este poder tirânico e ao mesmo tempo libertador do estado.

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