O PAÍS DA COPA


Por Fernando R. F. de Lima
Há cerca de 100 dias para a realização do mundial de Futebol, o Brasil ainda está às voltas com inúmeros problemas não resolvidos. Boa parte das obras de mobilidade urbana previstas para a Copa não ficarão prontas, e talvez nem mesmo todos os estádios de futebol. Poucos dias atrás, a revista francesa France Football publicou uma matéria que destacou o Brasil como uma grande fonte de angústias às vésperas da Copa.
Alguns fatos citados servem para averiguarmos o tamanho de nossa ineficiência em realizar qualquer coisa que seja: além dos já conhecidos dramas sociais (como a violência urbana, nos estádios, no trânsito), a péssima oferta de serviços públicos (de saúde, educação, etc.), alguns outros dados, mais relacionados com a economia, mostram como a falta de produtividade nos afeta. Uma das informações é particularmente relevante: enquanto o Stade de France custou 280 milhões de euros para a realização da copa de 1998, o Olimpiumstadium 140 milhões de euros para a copa de 2006 na Alemanha, o Estádio Mané Garrincha em Brasília ficou pela bagatela de 600 milhões de euros, pouco mais de R$ 1,3 bilhões.
Mais que prova de corrupção, esta diferença de valores é prova de ineficiência. Nossa indústria de construção civil, com mão-de-obra e equipamentos defasados, logística precária e dependência enorme do fator sorte não consegue alcançar metade da produtividade de países como a França e a Alemanha. Mas não é só na construção que as coisas funcionam assim. Nos transportes padecemos dos mesmos problemas, assim como na área de energia, nos serviços pessoais e bancários entre tantos outros.
Muitos brasileiros atribuem a culpa à corrupção, mas a burocracia responsável por impedir a corrupção também emperra os processos e diminui a competitividade nas mais diversas áreas. A lei de licitações nº 8666/93, que regula grande parte das contratações no setor público, apesar de ter como espírito o aumento da competitividade acaba, na prática, gerando preços mais elevados. Primeiramente porque, são considerados preços de referência para a cotação de obras, produtos ou serviços, ou seja, tabelas de preços médios. A partir destes valores, os concorrentes propõem preços iguais ou menores que o preço de referência, o chamado desconto. Ganha a empresa que oferecer o maior desconto em relação ao preço de referência. Toma-se como garantia, usualmente, um valor entre 1% e 5% do valor da obra, serviço ou produto, e toma-se como referência uma multa de 20% para atrasos, ou desistência do contrato.
A princípio, este tipo de arranjo é benéfico ao Estado, porque os concorrentes não sabem (em teoria) o valor que vão oferecer. Assim, quem quiser ganhar deverá ser agressivo em relação ao desconto oferecido. Mas este tipo de raciocínio só funciona para coisas que oferecem um serviço bem genérico e com muitos fornecedores. Em casos em que a concorrência é menor, o empresário astuto pode utilizar dois artifícios: a) combinar um desconto máximo com seus concorrentes, dividindo as licitações (o que é ilegal), ou b) sem incorrer em nenhuma ilegalidade, oferecer um desconto acima do mínimo que ele estaria disposto a oferecer apostando que seus concorrentes também não darão seus preços mínimos. Apostando assim em várias licitações, ele limita sua exposição e pode ter uma rentabilidade maior.
A melhor solução, obviamente, seria um sistema de leilão, em que os empresários oferecem seus descontos abertamente, podendo o Estado regatear valores menores. Com isso, haveria mais concorrência pelas obras. Outra questão, que certamente teria impacto, seria exigir não garantias e cobrar multas da empresas, mas exigir um seguro referente a 100% da obra, caso a empresa desistisse, não concluísse, entrasse em falência ou atrasasse o cronograma. Isto porque o ônus de fiscalizar a obra ficaria a cargo não apenas do Estado, mas também das seguradoras, que cobrariam prêmios maiores das empresas com histórico ruim e prêmios menores daquelas cumpridoras de contratos, o que permitira a elas, por sua vez, oferecer descontos maiores.
Nota-se, portanto, que o custo elevado das obras públicas não decorre apenas da corrupção, mas sobretudo da imensa burocracia criada para impedir a corrupção. Num ano típico, os Estados, municípios e o Governo Federal realizam milhares de licitações, das quais pouquíssimas devem ser de fato fraudulentas. A maioria delas ocorre absolutamente dentro dos princípios da legalidade e moralidade, sem qualquer prejuízo para a sociedade ou empresas. O problema é que as licitações no formato atual não são a melhor forma de contratar serviços. Se fossem seriam amplamente adotadas pelas empresas privadas, já que estas sempre buscam minimizar seus custos e maximizar seus benefícios.

O Brasil tem muito para evoluir em termos de serviços públicos. Esta evolução, todavia, será impossível sem uma ampla reforma de nossas instituições. Esta reforma, por sua vez, é absolutamente inviável sem uma ampla reforma política, que mude de vez o modo como as coisas são feitas por aqui. Mas esta reforma é algo cada vez mais improvável, ainda mais num país que possui mais de 30 partidos políticos diferentes. A notável diversidade partidária do Brasil (provavelmente há mais partidos que ideologias disponíveis nas prateleiras de livrarias) só trabalha contra qualquer projete que realmente vise a melhoria das condições de vida da população. Haverá solução para isso? 

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