DESIGUALDADE DE RENDA E JUSTIÇA SOCIAL – A VIDA COMO ELA É
Por Fernando Raphael Ferro de Lima.
Com o aperfeiçoamento dos métodos censitários
e a melhoria das ferramentas estatísticas, uma preocupação nova entrou no
ideário dos cientistas sociais: a desigualdade, antes algo abstrato, e a
pobreza, manifesta na carência de meios mínimos para a sobrevivência, passaram
a ter um novo amparo com as medidas de desigualdade de renda. Assim, as justiça
social num país não se manifestaria apenas pela existência de boas leis, bom
padrão de vida e boas oportunidades para levar a vida como bem entender:
justiça social implicaria a menor desigualdade de renda possível.
Para medir a desigualdade de renda se
utiliza, usualmente, dois índices de concentração, sendo o mais “popular” o
coeficiente de Gini. Com posse deste índice, diversos demagogos e ideólogos se
puseram a declarar que as condições sociais melhoraram ou pioraram em função da
maior ou menor desigualdade entre as rendas das pessoas. Sociedades mais justas
teriam menor desigualdade de renda, enquanto as mais perversas, maiores
desigualdades. Outra observação igualmente importante era a de que o Brasil é
um dos países de maior desigualdade de renda no mundo, justificando a pesa
intervenção estatal na mitigação desta mazela.
À desigualdade de renda foram entoados
diversos mantras: que ela causa a violência, a pobreza, a exclusão, a
ineficiência, a dependência, entre outras várias perversidades. Mas, agora
pensando friamente, o que vem a ser a causa fundamental da desigualdade de
renda em economias de mercado?
Para responder esta pergunta, deve-se ter em
mente, acima de tudo, o que é renda. Usualmente, a renda de um indivíduo virá
de um ou mais dos fatores de produção (trabalho, capital ou terra). Indivíduos
que herdaram ou adquiriam capital, terão renda de capital e/ou trabalho, caso
trabalhem. Indivíduos proprietários de imóveis (sejam urbanos ou rurais), terão
renda vinda da terra e aqueles que são donos apenas de sua própria mão-de-obra,
renda advinda do trabalho.
Daí deve-se compreender também o que são
estas rendas. Renda da terra é a produção agrícola menos os custos, o valor do
arrendamento ou aluguéis. Estes valores dependem do mercado. Terras boas para a
produção de soja em geral retornaram uma renda maior que terras desérticas.
Imóveis urbanos bem localizados reverterão aluguéis maiores. No fim, a oferta e
a procura pela terra irão determinar a renda da terra.
O mesmo ocorre com o capital: quando ele está
expresso na forma de máquinas, quando mais produtivas forem, e se adaptadas a
produzir o que as pessoas mais desejam (objetos com melhores preços), melhor
será o rendimento do capital. O dinheiro, quando aplicado, também gera renda,
porque pode ser emprestado para que outras pessoas produzam riqueza.
A renda do trabalho igualmente é o resultado
de um preço estabelecido no mercado. E como qualquer preço, a oferta e a
procura determinam as remunerações maiores e menores. No Brasil, por exemplo, a
quantidade de anos de estudo é um fator muito importante na formação da renda
do trabalho. Nosso país possui um percentual pequeno de pessoas com ensino
superior. O resultado disto é que profissões de nível superior pagam, em geral,
muito mais que profissões que não exigem qualificação.
Por outro lado, sendo um país industrializado
com poucos técnicos, profissões especializadas, ainda que nível de médio,
também pagam relativamente bem, como soldadores, torneiros, eletricistas,
encanadores, mestres de obra, etc. Por outro lado, carreiras para as quais há
muito oferta, mesmo sendo de nível superior, os salários são relativamente
baixos, como é o caso de professores e administradores, por exemplo.
Há algumas áreas em que os salários são muito
elevados (caso dos funcionários públicos federais, sobretudo do poder
judiciário e legislativo) por conta do efeito corporativista. Eles conseguem
organizar lobbies que favorecem suas carreiras em detrimento da realidade de
mercado. Por isso juízes são muito bem remunerados, assim como os motoristas da
Assembleia Legislativa, sobretudo em relação ao que ganham seus colegas de
profissão no mercado.
Obviamente, esse jogo de forças leva a
desigualdades de renda muito grandes. Um juiz que inicia a carreira ganhando R$
11 mil terá sempre uma renda no mínimo 10 vezes maior que a média da população.
O mesmo se dá com os médicos, profissionais com enorme demanda, cuja carreira
exige muitos anos de treinamento, que além de caro é extenuante, receberão uma
renda do trabalho muito maior que a dos professores, cuja carreira, apesar de
estressante, tem uma formação muito mais barata e com menos barreiras à entrada
que a medicina.
Além desta questão da renda do trabalho, as
pessoas que auferem rendimentos maiores terão, ao longo de suas vidas condições
de acumular patrimônio na forma de imóveis e de capital, o que irá gerar ainda
mais renda. Quem possui um capital de R$ 143 mil reais rendendo 10% ao ano
receberá R$ 1.100,00 por mês, o que é mais ou menos a renda média de grande
parte da população. Uma pessoa que ganha R$ 10 mil por mês, poupando 30% de sua
renda chegará a este montante em 43 meses (a 0,5% ao mês). Já alguém que ganhe
R$ 1.100,00 e tenha o mesmo esforço de poupança levará 232 meses, ou seja, 19
anos, praticamente 2/3 de sua vida produtiva para chegar no mesmo patamar.
O que gera a desigualdade de renda, portanto,
é a própria diferença na dotação dos recursos humanos existentes, além das
escolhas pessoas ao longo da vida, na equação gastar vs. poupar. Como ainda são
poucos aqueles que dedicam 10 anos de sua vida a um curso superior, sua
remuneração será muito superior à da ampla maioria que desiste de estudar aos
16 anos, se contentando com profissões que não exigem qualificação.
O problema maior do Brasil, é que também são
poucos os que dedicam 3 anos de sua vida a aprender uma profissão técnica, e
por isso o mercado de trabalho tem uma oferta tão restrita de técnicos
qualificados, o que acaba por inibir a presença de empresas nestas áreas,
reduzindo a própria demanda por mais técnicos. A ausência de uma grande
quantidade de programadores, por exemplo, inibe a presença de empresas que
vendem este tipo de serviço, comum na Índia por exemplo. A escassez de
engenheiros leva a preferência por métodos artesanais de construção, o que
reduz a demanda por mais engenheiros. O mesmo se dá em diversos segmentos,
retroalimentando um ciclo vicioso.
Numa economia de livre mercado, sempre haverá
diferenças salariais entre as profissões, e também entre os indivíduos, porque
uns pouparão mais e outros gastarão mais. No entanto, a própria demanda pelos
empregos mais bem pagos levará a uma maior proximidade de preços/salários. Não
é atoa que a diferença entre o que é pago a um lixeiro e um advogado em países
como o Canadá é menor que no Brasil; com muitos profissionais qualificados, a
oferta de mão de obra disposta a trabalhar recolhendo resíduos é muito menor, o
que eleva sua remuneração. Assim, o aumento geral da escolaridade beneficia,
sobretudo, os menos escolarizados.
A educação, aquela que realmente forma
profissionais, portanto, é o único caminho possível para a redução da
desigualdade de renda no longo prazo, porque aumenta a oferta de profissionais
mais cobiçados (o que reduz relativamente seu “preço” médio) e diminui a de
profissionais sem formação (aumentando seu “preço” médio). Como “brinde”, ainda
se consegue uma economia mais produtiva com a consequente redução da pobreza.
Programas de redução de desigualdade baseados na distribuição de renda via
subsídios estatais (como os diversos “bolsa alguma coisa”), esgotam em pouco tempo
seus efeitos, porque não mudam permitem nunca que as pessoas mais pobres
consigam acumular patrimônios que possibilitem o aumento de sua renda por
outras vias além do trabalho.
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