O PROBLEMA DO DÉFICIT HABITACIONAL - PARTE 2


Por Fernando R. F. de Lima.
A segunda causa da grande demanda por moradias nas cidades, que vai além do crescimento da população, é a mudança nos hábitos de moradia que ocorreu ao longo do século XX. Quando eu comentei a questão das famílias, e como elas se estruturavam, eu deixei a pista para compreender a segunda pressão existente sobre o mercado de moradias. Esta pressão é causada pelo fato de que hoje as famílias são mais compactas, mas demanda, em contrapartida, mais espaço por pessoa. Uma família típica dos anos 1950 tinha aproximadamente seis filhos. Eram oito pessoas. Estou estimando esta tipicidade com base na fertilidade média da mulher brasileira. Uma casa capaz de abrigar esta família deveria ter uma cozinha, de preferência capaz de abrigar uma grande mesa, dois quartos, uma para o casal e outro para os filhos, e um banheiro, que seria compartilhado por toda a família. Um residência de 50 m² daria conta de abrigar esta família pelo prazo de 20 anos, que seria o tempo necessário para que os filhos mais velhos crescessem e fossem embora, casando e constituindo uma nova família.
Acontece que quando estes 20 anos se passaram, as demandas de uma família típica, agora com três filhos, era um tanto diferente; a demanda padrão era uma casa com três quartos, de uns 75 m², para abrigar cinco pessoas. Esta casa teria que ter uma sala, capaz de abrigar uma televisão, uma cozinha, uma área de serviço, e uma garagem para abrigar o carro. O imóvel que havia servido os pais desta geração já não servia esta geração. A demanda por garagens, e a existência do carro, permitia que a família morasse mais longe. Quando os filhos desta geração cresceram, eles já não passavam apenas 20 anos na casa dos pais, e as mudanças no comportamento sexual levaram a uma nova demanda, mais específica que se torna típica da classe média dos anos 1990.
Nesta nova década, um residência ideal para abrigar uma família com 2 filhos deveria ter três quartos, como a anterior, mas dois banheiros, um para o casal, outro para os filhos, cada qual abrigado em seu quarto individual. A garagem típica deveria abrigar dois carros, e a área de serviço torna-se algo indispensável, por abrigar a máquina de lavar roupas e outras facilidades da vida incorporadas nos lares brasileiros nos anos 1990. A garagem passa a necessitar de duas ou até três vagas, e a perspectiva é de que os filhos fiquem em casa até os 30 anos.
Só que neste intervalo de tempo, vários outros arranjos tornaram-se freqüentes: o divórcio teve um efeito na demanda por imóveis: a casa para os dois ou três filhos, passa abrigar somente uma parte da família; aquele que sai de casa demanda uma nova residência, normalmente com um quarto de hóspedes para os filhos que o visitam ocasionalmente. Um novo casamento de ambas as partes, pode levar a duplicação das necessidades de imóveis. Os jovens solteiros, que eram pouco comuns antes, tornam-se uma parcela importante das família, chamadas famílias unipessoais, que demandam imóveis com todas as facilidades mas para o uso de uma única pessoa.
Todas estas mudanças fizeram com que a demanda por imóveis crescesse num ritmo ainda maior que o aumento da população. O número de domicílios cresceu a ritmo quase 50% maior que o número de habitantes. Este comportamento típico de classe média se reflete na demanda que os mais pobres fazem por residência. E essa demanda, dados os padrões restritivos de construção em largas áreas da cidade e a falta de transporte barato e rápido nas grandes cidades, fez com que a pressão nas favelas continuasse a existir ao longo de todo o século passado. E esta demanda não pode ser atendida pelo mercado por vários fatores, a maior parte dos quais relacionados as regras impostas pelo governo, e as deficiências do mercado de crédito proporcionadas pelo governo.

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