CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL

por Fernando R. F. de Lima

 

            Todo ano quando chega o mês de maio as associações de empresários e cidadãos fazem aquele dia sem impostos, onde um ou outro posto de gasolina e lojas são escolhidos para venderem os produtos sem os impostos. Normalmente se escolhem os postos de combustível por conta da maior influência dos impostos no valor pago pelo consumidor. No caso da gasolina, o preço chega a cair pela metade quando se retira dela os impostos pagos pelo consumidor final.

            Estes eventos são feitos com o objetivo de conscientizar os consumidores e os empresários da carga tributária no Brasil, que chega perto de 40% do valor do PIB. Esta grande carga bruta de impostos é acusada como um dos fatores que reduzem a competitividade brasileira e inibem a atividade empresarial e, conseqüentemente, o desenvolvimento econômico e social do país. Na comparação com nossos vizinhos latino-americanos, o Brasil possui uma carga de imposto que é quase o dobro da média, que oscila próxima dos 20%.

            Este valor, contudo, conta uma meia verdade sobre a questão dos impostos no Brasil. O peso dos impostos no PIB é de fato próximo a 40% do valor total do PIB. Quando observamos os valores das contas nacionais, podemos ver outro dado interessante, que é o valor dos impostos líquidos de subsídios, isto é, aquilo dos impostos que realmente fica com o governo e não é repassado para a sociedade. Quando observamos este dado ao invés da carga bruta de impostos, percebemos que o peso dos impostos líquidos de subsídios cai para perto dos 20% de outros países com um grau de desenvolvimento semelhante ao nosso.

            Isso significa que a carga tributária no Brasil é baixa? Não, absolutamente. A carga tributária continua sendo elevada. O que esta informação significa, é que o sistema tributário brasileiro tem, entre outras funções a de fazer uma redistribuição da renda no país. Cerca de 50% de tudo que o governo arrecada de alguns setores é repassado para outros na forma de subsídios. O problema do país, e ao mesmo tempo a explicação de porque ainda não fomos à bancarrota, é que nosso sistema tributário arrecada de uns para dar a outros.

De um modo geral, o governo brasileiro cobra elevadas alíquotas sobre setores que são fáceis de controlar a arrecadação e ignora os setores que são difíceis de fiscalizar. Os setores que mais pagam impostos, por conta desta "racionalização burocrática" são os de telecomunicações, indústria extrativa e de transformação e seus produtos além do petróleo e derivados, não apenas combustíveis, mas, também, a indústria química. Dentro da indústria de transformação destacam-se alguns setores, como cigarros, bebidas, automóveis e remédios. A escolha destes setores não é aleatória: a fiscalização recai sobre eles, e as alíquotas também, porque são setores onde grande parte da produção é realizada por grandes empresas. O setor financeiro também é bastante fiscalizado e paga muitos tributos e contribuições.

Para muitos destes setores, o governo concede subsídios para que se mantenha a competitividade da indústria. No caso dos automóveis, por exemplo, as fábricas têm acesso a linhas especiais de crédito do BNDES além de inúmeros incentivos e isenções fiscais temporárias, que muitas vezes se arrastam por décadas. Do mesmo modo o setor de telefonia é beneficiado com empréstimos camaradas. Além disso, os fabricantes de automóveis exercem uma pressão muito grande na definição de políticas de fornecimento de crédito para a compra de automóveis; os fabricantes de remédios receberam como incentivo a possibilidade de quebra de patentes, como é o caso dos medicamentos genéricos.

Por outro lado, como o consumo destes bens, sobretudo automóveis, crédito e telefonia é mais restrito dentro da sociedade, acaba-se por criar uma situação em que a classe média paga uma carga tributária muito superior a dos outros segmentos da sociedade. Mas não é só isso. O trabalho formal também é muito tributado, em quase 100%, quando contadas todas as contribuições, incluindo a previdenciária, e os encargos sobre a folha e o imposto de renda. Já o chamado "trabalho informal", que abrange mais de 40% do mercado de trabalho, acaba com uma carga tributária igual a 0%. Há também os trabalhadores autônomos, que pagam menos impostos que os de carteira assinada.

Mesmo dentro da classe média, há famílias que recebem subsídios, contudo. Escolas públicas (incluindo as Universidades), são mantidas com recursos públicos e constituem um subsídio recebido pelas famílias que conseguem ter seus filhos aprovados nos vestibulares e concursos. Os funcionários públicos recebem seus salários de um dinheiro quem vem diretamente dos impostos arrecadados. Os mais pobres, sem emprego formal, além de não pagarem impostos sobre a folha de trabalho estão aptos a receber como subsídio o "bolsa família". E ainda há como subsídio de amplo alcance os serviços públicos como saúde pública e distribuição pública de remédios.

Sem me alongar demais na explicitação dos esquemas de subsídio existentes, que explicam porque mesmo com uma carga tributária tão alta conseguimos avançar, ainda que de modo desigual, devemos tentar contabilizar quais as vantagens e as desvantagens de se viver num país com um sistema de subsídios cruzados tão complexo quanto o nosso.

As únicas vantagens que eu consigo ver, é que criamos um serviço de cobertura social que permite que todos os cidadãos brasileiros consigam ter uma renda de um salário mínimo depois de certa idade (homem 65 anos, mulheres 60 anos), um sistema público de saúde que funciona nas duas pontas (serviços muitos simples, como vacinação, emergências e distribuição de remédios e serviços muito complexos, como tratamentos contra o câncer, entre outros), e um sistema público de educação que cobre quase 100% do país.

Por outro lado, temos um sistema que abre uma grande margem para a existência de elevados níveis corrupção (por deixar brechas para distribuir os subsídios na base dos "favores"), que gera um grande desperdício de recursos com burocracia e que torna a gestão da coisa pública muito complexa. Além disto, este sistema penaliza de forma muito acentuada alguns segmentos (classe média urbana), mas não consegue beneficiar ninguém na mesma proporção, com exceção dos próprios políticos que vivem do funcionamento deste sistema.

Creio que seria possível reformar nossos sistemas tributário, trabalhista e previdenciário de forma a reduzir a carga tributária total a níveis muito inferiores aos atuais sem desmantelar todos os sistemas de subsídio que garantem o atual esquema de seguridade social. Mesmo sem abrir mão do atual modelo "social-democrata dos trópicos", poderíamos reforma o sistema com vantagem para todos os segmentos. Um passo inicial seria a redução das alíquotas de impostos na mesma proporção de redução dos subsídios, em que aquilo que deixa de ser arrecadado numa ponta parasse de ser gasto na outra.

 


 

Comentários

INTERCEPTOR disse…
Esta redução proporcional dos tributos e subsídios não diminuiria só a corrupção, clientelismo etc. Diminuiria também a ineficácia, pois os ganhos não seriam certos obrigando a produção acontecer por mérito próprio. E me refiro principalmente a corja encostada na burocracia que faz com que outros servidores trabalhem em dobro ou triplo.

Excelente artigo, muito didático.

Postagens mais visitadas deste blog

O PROBLEMA DO DÉFICIT HABITACIONAL - PARTE 2

O ELEITOR BRASILEIRO E O EFEITO MÚCIO

COMENTÁRIOS SOBRE O CENÁRIO ATUAL