UM ANO DE CRISE: O BRASIL SEGUNDO AS PESQUISAS CONJUNTURAIS








Por Fernando R. F. de Lima.

Agora em dezembro o IBGE lançou o resultado de uma série de pesquisas que permitem ver o efeito da crise sobre a economia neste ano de 2009. A crise econômica tem como marco o mês de setembro de 2008. Diante disso, observaremos o desempenho da economia brasileira segundo diversas pesquisas mensais. Serão avaliadas a PIM-PF, a PMC e os dados de exportação do Ministério do Comércio Exterior, além das Contas Nacionais Trimestrais.

PIM-PF

Iniciaremos este texto avaliando os impactos da crise na atividade industrial, o que será feito por meio dos dados da Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física (PIM-PF). Esta pesquisa é realiza em 14 estados, e possui uma abertura CNAE e dois dígitos, agrupando grandes setores. Nas suas aberturas regionais, a PIM-PF permite acompanhar a produção estadual nos estados cobertos. Contudo, nem todos os setores presentes na pesquisa nacional são contemplados nas pesquisas estaduais.

O gráfico 1 permite visualizar o impacto da crise na produção indústria brasileira. O índice de referência é igual mês do ano anterior. Nota-se que a crise foi realmente sentida na indústria no Brasil a partir do mês de novembro, quando a produção industrial apresenta uma taxa negativa forte na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Esta queda se acentua nos meses de dezembro e janeiro para começar a diminuir no mês de março, mas principalmente a partir de maio. Contudo, em Outubro de 2009 a produção industrial continuava ainda abaixo do mesmo mês de 2008, quando o desempenho já havia sido fraco. Como resumo, pode-se dizer que a produção industrial está se recuperando da crise, mas ainda não retornou aos níveis de 2008.
O gráfico 2 permite notar que o efeito foi diferenciado na indústria de transformação e na indústria extrativa. Num primeiro momento, a indústria de transformação foi mais afetada e de forma mais rápida, mas esta tendência logo se inverteu. Atualmente, a recuperação da indústria de transformação está mais próxima dos níveis pré-crise que a da indústria extrativa.

Setorialmente, o impacto da crise afetou de modo diferenciado a indústria. Alguns setores sofreram queda acentuada já nos primeiros meses da crise, sobretudo em dezembro, como é o caso da indústria automotiva

A tabela 1 mostra setores industriais que em dezembro de 2008 atingiram uma redução na produção de 60%, como é o caso de Material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações e Veículos automotores, com redução de 50,9%. Em outubro de 2009, um ano após o primeiro mês da crise, poucos são os setores que recuperaram os volumes de produção do ano anterior, entre eles “Mobiliário”, “Outros produtos químicos”, “Perfumaria, sabões e detergentes”, “Farmacêutica, Refino de Petróleo e álcool”, “Edição, impressão e reprodução de gravações”, “Celulose papel e outros produtos de papel”, “Calçados e artigos de couro”, “Alimentos” e “Bebidas”. Todos estes setores têm baixo coeficiente de exportação.

Os setores mais afetados pela crise que ainda não conseguiram recuperar os níveis de produção de 2008 são: Fumo, Têxtil, Vestuário e acessórios, Madeira, Borracha e plásticos, minerais não metálicos, metalurgia básica, produtos de metal exclusive máquinas e equipamentos, Máquinas e equipamentos, Maquinas para escritório e equipamentos de informática, Máquinas, aparelhos e material elétrico, Material eletrônico, aparelhos e instrumentos para telecomunicação, Equipamentos de instrumentação médico-hospitalar, óticos e outros, Veículos automotores, Outros equipamentos automotores e Diversos. Estes setores, em geral, têm maior coeficiente de exportação, e sentiram mais a restrição ao crédito no começo da crise e a queda na demanda externa causada pela recessão em seus principais mercados. As exceções são Minerais não metálicos, Têxtil e Vestuário e acessórios.

Pelas informações apresentadas é possível notar que o impacto da crise foi severo na maioria dos setores industriais e que a produção física da indústria ainda não retomou os níveis pré-crises. Destaca-se também o fato de que a indústria de transformação teve uma recuperação mais rápida que a indústria extrativa, e que esta sofreu o impacto da crise antes também. Os setores que menos sentiram a crise foram aqueles com menores coeficientes de exportação, sobretudo os voltados para o mercado interno como alimentos e bebidas.

PMC

A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), permite acompanhar as vendas e a receita de diversos setores do comércio varejista, e também do comércio varejista ampliado, que concentra alguns setores do comercio de atacado. Esta pesquisa também é realizada em 14 estados, e possui um nível variável de abertura. No mês de outubro de 2009, a variação no volume do comércio em relação ao mesmo mês do ano anterior foi de 8,4%, mostrando um resultado muito positivo. Na comparação com igual período do ano anterior, isto é, jan/out-08 em comparação com jan/out-2009, a variação positiva foi de 5,1%. A tabela 2 permite observar quais os setores que tiveram melhor desempenho.

O setor do comércio varejista mais afetado pela crise foi do de Tecidos, vestuário e calçados, que só recuperou o volume de vendas do ano anterior em outubro de 2009. Combustíveis e lubrificantes foi outro setor em que os volumes de venda ficaram próximos ao do ano anterior. Móveis e eletrodomésticos também foi um setor muito afetado pela crise. Contudo, é possível notar que no comércio, em geral, o impacto da crise foi menor. A explicação reside no fato de que a renda interna, ou seja, a massa salarial e outros tipos de rendimentos pagos no período entre outubro de 2008 e outubro de 2009 pouco diminuíram. O comércio varejista também reagiu bem às medidas de desoneração de impostos em alguns setores, e foi menos afetado pela restrição de crédito que atingiu outras vendas, como a de automóveis e imóveis, por exemplo.

EXPORTAÇÕES

As exportações brasileiras foram muito afetadas pela crise. A tabela 3, com informações da Secretaria de Comércio Exterior, mostra que as exportações tiveram uma forte queda neste ano, ficando 25% abaixo de igual período do ano anterior e 5% abaixo do volume exportado em 2007.

O setor mais afetado pela crise foi a indústria, já que a demanda pela commodities, apesar da queda inicial manteve-se relativamente elevada. Já a indústria de transformação, com destaque para a automobilística, de madeira e celulose, teve uma forte retração nas exportações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante deste quadro de estatística, não é surpresa o fato de que o PIB brasileiro apresentou retração por três trimestres seguidos, o que coloca o país oficialmente numa recessão. A desaceleração é ainda mais importante quando se observa que no III trimestre de 2008 o país vinha de um crescimento de 7,1% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Pela tabela 4 também [e possível observar que o consumo das famílias, apesar da crise, continuou crescente, apesar da forte redução: de 9,3% de crescimento no III trimestre de 2008 para apenas 3,9% no III trimestre de 2009. O consumo da administração pública também caiu no período. As quedas mais significativas, contudo, que tem um impacto importante, é da taxa da Formação Bruta de Capital Fixo, que compreende basicamente os investimentos (de 19% no III trimestre de 2008 para -12,5% no III trimestre de 2009), e nas exportações, que já vinham com um desempenho fraco.

Ao contrário, portanto, do que vem noticiando a imprensa, o Brasil não passou tão bem assim pela crise, com forte queda em diversos setores. Obviamente, podemos discutir a situação do país em relação a outros países do mundo. Mas em comparação com a China e a Índia, o desempenho brasileiro foi pífio, ainda mais se pensarmos que nossa economia é mais fechada que a destes dois países.

Outra questão é quando do consumo das famílias: sabemos que parte deste consumo, assim como a compra de automóveis que teve alta de 10% neste ano em relação ao ano passado, foi puxada basicamente pelo aumento na oferta de crédito. Bancos estatais como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica expandiram muito suas linhas de crédito, avançando em setores que até então tinham pouca tradição, como o financiamento de automóveis.

Avaliando assim, fica a pergunta: qual a possibilidade de mantermos o crescimento econômico baseado na expansão do crédito e do endividamento das famílias? Conforme anunciou o Ministro da Fazenda, o déficit nas contas públicas subiu 278% em relação ao ano passado, afastando por pelo menos mais cinco anos a possibilidade de atingirmos o déficit fiscal nominal zero. Aos que defendem o governo Lula e aos otimistas que acham que a situação nunca foi melhor, fica o alerta de que apesar de o pior da crise ter passado, ela nos atingiu em cheio e foi mais grave do que a imprensa faz crer.

Resta para 2010, este ano que marca uma nova década, as esperanças de que a safra seja boa, auxiliada por boas condições climáticas e preços em alta ou ao menos estabilizados no mercado externo, e que nossos compradores no exterior se recuperem para a indústria voltar a exportar. A taxa prevista pelo banco central de 5,8% de crescimento econômico para 2010 (5,08% prevista pelo “mercado”) seria apenas suficiente para recuperarmos o tempo perdido em 2009, mantendo a taxa média medíocre de toda a década.

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