PROBLEMAS DE DIFÍCIL SOLUÇÃO: SAÚDE, EDUCAÇÃO E ECONOMIA

PROBLEMAS DE DIFÍCIL SOLUÇÃO: SAÚDE, EDUCAÇÃO E ECONOMIA

 

Por Fernando R.

 

            Há vários problemas sociais de solução complexa, que muitas vezes levam a propostas simplistas oferecidas pelos liberais. Os sistemas de saúde e educação são exemplos deste tipo de problema. Porque ambos os campos do conhecimento são fundamentais para o aumento da produtividade da economia, já que garantem que os trabalhadores vivam melhor e por mais tempo, e tenham uma vida profissional mais rica e criativa.

            Nas sociedades modernas a escolha foi pelo subsídio a estas áreas da vida social, normalmente garantidas pelo estado como direitos fundamentais no homem. Mesmo nos EUA, que são a terra da liberdade e oportunidade, a educação e a saúde continuam sendo, de uma forma ou de outra, subsidiadas.

            Estes problemas são de difícil solução porque as forças de mercado não suficientes para dar uma solução satisfatória para eles. É muito claro o efeito que decorre de uma empresa com problemas financeiros: ela vai a falência. Do mesmo modo, uma empresa que não tem qualidade nos seus produtos: ela se vê ameaçada pela concorrência e pode fechar as portas. Mas o que acontece com um trabalhador sem qualificação profissional ou sem saúde? Ele não deixa simplesmente de existir acabando com o problema. Ele não pode ser comprado ou incorporado por outro. Ele continua sobrevivendo a margem da economia, gerando transtornos que vão desde a estética (afinal a pobreza em estado bruto é feia) até conseqüências sociais, como a proliferação de doenças, epidemias, criminalidade, ilegalidade, etc, que tornam-se entraves ao desenvolvimento econômico.

            As respostas oferecidas pelos anarco-liberais para estes problemas não são satisfatórias, pois elas apontam sempre para duas opções: ou ignora-se o problema, ou se acena com a promessa de um futuro de liberdade econômica que acabaria com estes problemas. A primeira solução gera um problema político, que é o abandono dos pobres e desvalidos nas mãos dos demagogos socialistas. A segunda é apenas uma profecia, não um programa político.

            A melhoria das condições de saúde básicas da população, sobretudo a redução da mortalidade infantil, do acesso ao saneamento básico (água encanada e coleta de esgoto), a despoluição de rios e o embelezamento urbano (paisagismo) são coisas que elevam a expectativa de vida e garantem aquela coisa intangível que se chama qualidade de vida. Consequentemente, estas "políticas" têm impactos na produtividade da economia, porque quanto menos tempo o trabalhador passar doente mais tempo ele passará produzindo, o que pode soar como uma visão utilitarista, que vê o homem apenas como uma máquina, mas, no final das contas, é a pura verdade.

            O aumento dos conhecimentos e saberes partilhados pela população também tem um impacto positivo: pessoas que lêem mais tem, em geral, mais imaginação. Podem, portanto, ser mais criativas. É uma questão de aumento das probabilidades. Se você ensina música para cem crianças a probabilidade que elas sejam capazes de se tornarem artistas e maior do que se não as ensinar.

Do mesmo modo com as letras, a informática e os esportes. E estas habilidades acabam levando a um aumento na produtividade, porque estimulam a criatividade, o pensamento, a inventividade, que explora novos caminhos e causam impactos na economia. Pode-se até argumentar que o aumento do IDH, que é convencionalmente adotado como uma medida de melhorias de condições de vida, não traz um aumento da prosperidade. Mas dificilmente reconhecemos como civilização um povo que não tenha um cultura desenvolvida, expressa pelas artes e pela técnica.

Os índios americanos eram, certamente, mais livres que muitos de nós. Deixados ao seu estilo de vida, sem contato com a civilização ocidental, os cariocas e carijós provavelmente ainda estariam vivendo da caça e da coleta, já que não possuíam aquelas características necessárias para reconhecer um povo como civilizado. E estas características demandam intervenções na economia, restrições à liberdade, regras de conduta e comportamento que permitem seu desenvolvimento. O conceito de propriedade privada é uma invenção social, assim como o de produtividade, contabilidade, capital e juros.

Assim, o desenvolvimento de qualquer país passa pela necessidade de intervenções que visem a cultura, compreendida como conjunto de técnicas, artes e conhecimentos capazes de prolongar a vida. Saúde e educação são campos que consomem muitos recursos. Seus resultados na economia são sempre de longo prazo e muitas vezes duvidosos. As chances de erros são maiores que as de acertos, mas estas soluções devem ser tentadas, ainda assim, apesar de todo o risco envolvido, porque os resultados são muito positivos quando atingidos.

Quem acha que a educação nos EUA se desenvolveu a revelia da intervenção na economia se engana: através das igrejas foram criadas as primeiras universidades. E os empresários destinaram muito dinheiro, que poderia ter sido aplicado em ferrovias, portos, estradas e fábricas, para construir bibliotecas e salas de aula que não deram, durante muitos anos, qualquer retorno econômico. Nos anos 30 do século XX foram doados bilhões de dólares para construir museus e universidades na Califórnia, e investidos outros bilhões para construir laboratórios e fábricas de armas, sem qualquer perspectivas de que aquilo virasse, algum dia no futuro, o vale do silício, centro da produção tecnológica no mundo. E os benefícios advindos destas políticas não foram exclusivos dos americanos que lá gastaram seu dinheiro, mas também dos chineses de Formosa, dos tailandeses, dos japoneses, etc.

Normalmente as pessoas entendem como sistema público de ensino apenas as escolas e os seus funcionários, mas sistema é composto, sobretudo, pelas leis que regem as escolas. A regulamentação deste setor e a repartição de recursos é necessária para garantir a sobrevivência da própria sociedade. O desenvolvimento industrial americano ganhou um forte impulso nas duas guerras mundiais por causa da grande quantidade de mão de obra que foi formada pelas escolas militares. Foram milhões de técnicos em rádio, mecânicos de automóveis, tanques, navios e aviões, operadores de tráfego aéreos, inspetores, professores e médicos, que depois dos esforços de guerra foram para o mercado de trabalho preparados para a difusão da televisão, dos automóveis, dos restaurantes fast food e das companhias comerciais de vôo.

As escolas que tinham, no princípio, o objetivo de fornecer uma educação teológica, foram transformadas para atender os requisitos da produtividade econômica. Ainda hoje a economia americana colhe os frutos desta massificação do ensino promovida pelas forças armadas daquele país, trouxe uma explosão de criatividade poucas vezes vista na história do mundo.

Voltando a questão inicial do texto, quais seriam as soluções para os problemas difíceis trazidos pela educação e pela saúde pública? A primeira resposta é que as soluções para problemas difíceis nunca são fáceis. Acabar com toda a regulamentação sobre o ensino no país, e privatizar completamente o sistema de saúde pública trariam problemas tão grandes e tão graves no curto prazo que desestruturariam a economia e reduziriam drasticamente a produtividade, inviabilizando um futuro de liberdade. Contudo, manter as coisas como estão iria prolongar a agonia de uma sociedade que não consegue deixar de ser sub para tornar-se desenvolvida, porque os progressos nestas áreas têm sido muito lentos.

Aumentar as verbas para saúde e educação é possível sem qualquer aumento da carga tributária. A sociedade só deve pressionar o governo reduza a racionalizar seus gastos. Eu sou contrário ao serviço militar obrigatório, apesar de consciente que estou de que atualmente só servem ao exército voluntários, por causa do excesso de pessoas que se candidatam a uma vaga. Mas o serviço militar poderia ser uma excelente oportunidade para profissionalizar a juventude, através de cursos técnicos de carga horária intensiva voltados para as mais diversas áreas, como construção, eletrônica, mecânica, alimentação, enfermagem, etc.

Seria uma forma imediata de formar mão-de-obra que não temos, ou que temos em pequenas quantidades. Este tipo de formação ajudaria a elevar a produtividade marginal, e consequentemente os salários nas outras profissões. Atrair jovens para o mundo da técnica ajuda a formar cidadãos melhores, mais exigentes quanto a educação de seus filhos.

Na saúde, o sistema atual garante uma boa cobertura para todos os cidadãos, mas custa muito caro e paga muito mal seus funcionários. A saúde pública melhoraria muito com a prevenção de doenças. Na Inglaterra vitoriana, antes de criar uma rede pública para atender os doentes de cólera, os ingleses combateram os vetores da doença através de água encanada, tratamento de esgoto, abertura de novas ruas, arborização, drenagem de pântanos.

O mesmo deveria ser feito para se combater as doenças urbanas no Brasil. Sei que é clichê, mas gasto em saneamento básico reduz aquele com saúde pública, gera empregos, qualifica profissionais e aumenta a produtividade da economia. Por mais que custe caro, é um investimento positivo.

Doenças poderiam ser prevenidas pela prática de esportes, que poderia ser incentivada através de um programa de educação física efetivo nas escolas, e realizado de modo lucrativo por clubes esportivos. Treinando jovens para formar atletas, um bom slogam para uma política deste tipo. Clubes profissionalizados são uma boa fonte de dinheiro, mas necessitam de uma legislação melhor elaborada para os esportes. A prática de esportes pode atrair recursos para as universidades, formar cidadãos mais fortes e disciplinados, e mais competentes para o trabalho, novamente com ganhos na produtividade da economia.

Estas idéias preliminares não visam reduzir a participação das empresas, tampouco aumentar o tamanho do estado. Visam apenas canalizar os recursos que já são tomados da população para ações que de fato a beneficiem. Os impostos sobre a gasolina podem ser revertidos em benefícios para a mobilidade urbana, mas podem ter também impactos sobre a saúde pública e a educação. O que falta é imaginação.

Grande parte das receitas das universidades americanas provém do esporte, outra parte da pesquisa aplicada e outra parte do próprio governo. Ainda assim sobram recursos para a pesquisa pura, para escolas de música, orquestras, etc. A abundância de recursos nas escolas e universidades leva a um aumento dos salários dos professores, com a valorização profissional decorrente, que atrai os melhores alunos e favorece a sociedade como um todo.

Com isso não quero dizer que eu tenho a solução para estes problemas, mesmo porque não tenho a menor idéia de como tornar estas idéias, que não são nem minhas, tampouco novas, operacionais dentro de um programa político liberal. Mas do mesmo modo que o acesso a terra, estas são medidas que visam tornar o liberalismo econômico um programa político, que valorize a livre empresa, a livre iniciativa, e a autonomia das instituições sociais, mesmo as subsidiadas, através do estimulo à competição.

Acredito que uma sociedade altamente produtiva é a chave para a uma sociedade de pessoas livres, e que a competição é o método para se estimular a criatividade e a produtividade. E a competição pode ser esportiva, econômica, cultural, etc. Também estou inclinado a ver que o que garante a liberdade não são as empresas, ou as escolas, ou estado: o que garante a liberdade é a definição de regras, de leis claras, capazes de criar normas e padrões sem restringir a criatividade, a produtividade e a espiritualidade.

Boas leis, bons contratos, bons cidadãos: estas são as chaves para a liberdade. Sociedades sem leis degeneram-se em sociedades de bandidos: a lei e a ordem são base para a civilização, e não há desenvolvimento econômico na barbárie. Acredito na reforma lenta, gradual e constante da sociedade, tendo como metas procurar não reduzir a produtividade, a criatividade e a espiritualidade. Pouco importa a religião oficial, desde que nenhuma possa se impor pela violência. Pouco importa a forma de produção, desde que não seja imposta, e pouco importa o que se ensine, desde que se garanta o direito a dúvida, a discórdia, e a publicação de novas idéias.



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