ALGUMAS VERDADES SOBRE A DITADURA MILITAR – E PORQUE ELA NUNCA DEVERIA VOLTAR.



 Por Fernando Raphael Ferro.
Nos últimos tempos o número de “viúvas da ditadura” cresceu bastante. São os pseudo-direitistas, no geral desinformados mesmo, que misturaram o ódio anti-petista com um certo reacionarismo e passaram a bradar pela volta dos militares. E essa militância reacionária, que no fundo faz um desserviço a causa democrática no país, ainda gosta dos militares pelos motivos errados. Eles se aproximam muito mais dos petistas e petralhas do que gostariam justamente por apreciarem o que havia de mais errado nos tempos da ditadura militar.
Hoje mesmo recebi um vídeo da Página do Facebook Rio Conservador em que se louvava os tempos da ditadura militar. Entre as ações mais importantes estava a seguinte lista:
- Em 64 o Brasil de 49º pulou para 8º na economia mundial;
- PIB de 14%;
- Em 64 tinhamos 64 km de asfalto, fizeram 65000km;
- Criaram a EMBRAPA, exportação de commodities;
- Criaram o Pro álcool;
- Criaram o Banco Central, o SNI
- Criaram a EMBRAER umas das melhores fábricas de avião do mundo
- Construção de 4 portos e recuperação de outros 20;
- Criação da Embratel, Telebrás
Criação do FGTS, PIS, PASEP
Criaram a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal;
Criaram o mobral, alfabetização via rádio;
Criação de 13 milhões de empregos;
Criação da Eletrobrás;
ENGESA exportava equipamentos militares, presente em 18 países;
Tinhamos a maior produção naval do mundo;
Eramos um país respeitado no mundo nos anos 70;
Governo Medice construiu 15 hidroelétricas;
Geisel construiu Tucuruí e Itaipu
E Hoje temos energia por causa dos Militares;
Aumentou a produção de 75 mil barris para 750 mil barris/dia
Tinhamos segurança e justiça, andávamos tranquilo nas ruas;
O governo Militar só foi ruim para bandidos;
Tinhamos empregos de sobra;
Toda infraestrutura do Brasil é da época dos Militares;
Toda esta lista estava escrita exatamente desta forma no vídeo, o que mostra que o autor não tinha muito domínio do vernáculo, tampouco da história, a não ser de alguns jargões. Da mesma forma, a escolha dos pontos a destacar, mostra que a ideologia que permeia essa gente não é muito melhor que a dos petistas, com ranço de mofo, naftalina e coisa que não é usada a muito tempo.
Podemos agrupar a lista em três gêneros: a verdades que deveriam ser mentiras; as mentiras que o são por ser exagero; e os exageros que passam longe da verdade. No primeiro grupo está a criação do FGTS, PIS, PASEP, Telebrás, Eletrobás, Construção de Tucuruí, Itaipu, Criação do Mobral e do Pro Álcool. Essas foram grandes bobagens realizadas na época dos militares. O FGTS, criado quando Roberto Campos foi ministro da Economia ainda no governo Castello Branco, foi uma ação confiscatória do salário dos trabalhadores criada com o intuito de financiar as contas de um governo falido, controlar a inflação, e ainda por cima compensar os trabalhadores pelo fim da estabilidade no emprego no setor privado advinda da reforma trabalhista levada a cabo pelo governo militar.
PIS e PASEP não passaram de outras “contribuições” criadas para reforçar o caixa do governo, criando indenizações relativamente ilusórias ao trabalhador. Telebrás fora criada para fomentar o setor de telecomunicações no país; o resultado prático, no entanto, foi a implantação de monopólios estaduais, distribuídos na forma de inúmeras estatais, que transformaram a telefonia em bem de luxo no país, fazendo com que uma linha telefônica valesse mais que um pequeno apartamento, fato único entre as grandes economias do mundo.
A Eletrobrás centralizou da mesma forma a gestão do setor elétrico, espalhando hidrelétricas até mesmo em locais de baixíssima declividade, como o é o caso de Tucuruí, e construindo obras gigantescas, como é o caso de Itaipu, onde várias pequenas hidrelétricas seriam mais vantajosas. Em relação ao Pro Álcool, este programa surgiu de um erro estratégico e virou uma grande “bolsa canavieiro”.
O erro estratégico foi a aposta pesada dos militares na expansão da malha rodoviária, que selou o destino do Brasil na dependência do petróleo árabe. Após a Opep aumentar os preços do Barril de poucos dólares para mais de uma dezena, o Brasil viu-se sem seu principal insumo, e numa medida desesperado o governo brasileiro tentou converter a frota nacional ao combustível vegetal, álcool hidratado, ao mesmo tempo que passou a adicionar álcool anidro à gasolina, como forma de mitigar nossa dependência das importações. Mas o país viu-se dependente e refém de um outro setor, o sucroalcooleiro, que já em fins da década de 1990 iria deixar milhões de motoristas sem combustível para por em seus carros.
No segundo lote, de mentiras que o são por exagero, encontram-se, por exemplo dizer que em 64 havia apenas 64 km de asfalto e que os militares fizeram 65.000km. Segundo o PNV havia em 1965 cerca de 26.091km de rodovias pavimentadas no Brasil, número que saltou para 115.105km em 1985. Foram pavimentados, portanto, 89.014km de rodovias, sendo 24.059km entre 65-70 e 33.604 entre 70-75. Mas entre 75-80 apenas 3.459 km foram pavimentadas, menos que os 12.734 que foram realizados entre 60 e 65. A pavimentação ganha novo impulso entre 1980 e 1985, onde alcança 27.891km. Mas ela prossegue entre 85-90 (já após o fim da ditadura militar), com 24.310 km pavimentados, 90-95, com mais 8706km e entre 95 e 2000 com mais 16.903 km. Ou seja, apesar do notável esforço de pavimentação dos governos militares, muita coisa foi feita depois disso, e muito já havia sido feito antes. Nota-se, porém que em 1964 havia cerca de 40 mil km de ferrovias, enquanto em 1985 haviam sobrado pouco menos de 28 mil km, razão do verdadeiro apagão logístico que o Brasil sofre ainda hoje.
Em relação ao crescimento econômico, que é o segundo ponto da lista, é verdade que o Brasil chegou a crescer durante um ano 14% ao ano. Mas essa não é a média do período. Em 1968 a economia brasileira cresceu 9,8% ao ano, chegando a incríveis 14% ao ano em 1973. Mas a inflação alcançaria 34% ao ano mesmo período. Deve-se destacar porém que a partir de 1974 a média anual não passou de 6,5% ao ano, o que é invejável para o dias de hoje. Mas naquela época a população crescia mais de 2,5% ao ano, o que fazia com que o aumento da renda per capita não fosse tão espetacular. Já a inflação, esta manteve-se em crescimento galopante, chegando 200% ao ano em 1983, o auge do governo Figueiredo. O resultado não poderia ser diferente: o crescimento econômico da era dos militares trouxe uma massiva concentração de renda.
Em relação ao Mobral, não há muito o que dizer. O programa nacional de alfabetização via rádio foi um pouco mais efetivo que a proposta do governo PT. Mas ainda assim ficou longe do progresso alcançado entre 1991 e 2000; entre 1970 e 1980, quando a maioria da população era jovem, a taxa de analfabetismo passou de 33,6% para 25,4%. Uma queda de 8,2 pontos percentuais, o que significou uma redução de 24% no total de analfabetos. Entre 1980 e 1991, sendo que metade deste período foi durante o governo militar, a redução foi de 25,4% para 20,1%. A queda de 5,3 pontos percentuais significou uma queda de 20,8% no total de analfabetos. Em 2001 a taxa chegou a 12,38%, uma queda de 7,72 pontos percentuais, ou seja, uma redução de 37,11% no total de analfabetos. Nos 10 anos de governo democráticos a redução do analfabetismo foi muito mais efetiva do que no período dos governo militares, apesar de todos os problemas enfrentados, entre os quais o combate a inflação deixada como herança pelos militares, a dívida externa gigantesca, e uma economia completamente travada pela proliferação de estatais em todos os setores.
Quando as viúvas de ditadura bradam que nos anos de chumbo a ENGESA exportava equipamentos militares, eles ocultam que nossos grandes compradores em geral eram ditaduras proto-comunistas como Angola e Moçambique, e que grande parte dos campos minados daqueles países contam com equipamentos made in Brazil. O fechamento da economia brasileira em 1976, só parcialmente revertido em 1991 com o presidente Collor, foi o responsável pelo atraso de uma década em nosso país da disseminação da informática.
E não podemos deixar de lembrar que apesar da colonização do centro-oeste e do norte do país, em iniciativas desastrosas como a construção da Transamazônica (nunca concluída), a produção de soja e milho nesses lugares só despontou no período democrático, graças sobretudo à biotecnologia proporcionada pelas sementes transgênicas que resistiram ao clima inclemente desses locais. E a infraestrutura necessária para estes locais, ainda está por ser construída, sendo que tudo ficou a cargo daqueles que chegaram depois.
Sobre vivermos num ambiente de tranquilidade, justiça e paz nas ruas, não sejamos ingênuos a ponto de esquecer que o Comando Vermelho foi criado nos porões da ditadura, e ainda com a colaboração dos militares ao misturar presos políticos e comuns. E que os governos militares, em 21 anos no país, nada fizeram para mitigar a explosão da favelização que é a base do crime em qualquer cidade do país. Cidade de Deus, pra ficar no exemplo mais conhecido do imaginário popular, também é um fruto da ditadura.
Ademais, podemos dizer sobre essas verdades inconvenientes é que a ideologia nacional-desenvolvimentista que permeou os programas econômicos militares foram um completo desastre, e que apesar de todas as condições econômicas favoráveis, eles conseguiram ser muito piores que os ditadores chineses comunistas na construção de uma economia moderna, ou que o ditador cubano na criação de um estado de bem estar social, ou que o ditador chileno na pavimentação do caminho para a modernidade e transição democrática.
Aliás, na América Latina e na Europa Ibérica, a transição dos governos autoritários para os democráticos deixou um legado de reformas liberalizantes que direcionaram os países para o crescimento econômico, a estabilidade e a democracia, como é o caso de Chile, Colômbia e até mesmo a Argentina e o Paraguai. No caso ibérico, Portugal e Espanha vivenciaram transições que permitiram a seus países se incluir no bloco europeu, tornando-se economias modernas com instituições saudáveis no prazo de poucos anos. Até o tradicional clientelismo português foi superado.
Já no caso brasileiro, os militares foram absolutamente irresponsáveis na transição democrática, simplesmente abandonando o país na mão de oportunistas do calibre de José Sarney, Paulo Maluf e tantos outros calhordas que compuseram a política nacional no período 1964-1985. Ou alguém acredita que o "Rouba Mas Faz" do Malufão surgiu só depois da redemocratização?
Esses são motivos ilustrados pelos quais nenhum brasileiro em sã consciência deveria guardar qualquer saudade do período militar. E olhe que até este ponto do texto não toquei na supressão de direitos individuais básicos que ocorreram durante a ditadura militar, como aquele mais elementar e sagrado que é o de se manifestar publicamente contra o governo.

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