SOBRE A ELITE

Por Fernando Raphael Ferro
Elite é uma palavra muito utilizada, mas um conceito pouco compreendido e definido. É relativamente fácil ser enquadrado entre os 5% mais ricos da população brasileira. Dada nossa renda domiciliar per capita, qualquer família cujo rendimento situa-se acima de 5 salários mínimos, ou seja, R$ 3940,00 mensais ou R$ 52.400,00 por ano, encontra-se no estrato dos 3,5% mais ricos da população segundo o IBGE[1]. Este grupo, cá entre nós, apesar de seleto, é relativamente fácil de encontrar. São 3,5 em cada 100 de nossos conhecidos. Entre os leitores deste blog, certamente quase todos enquadram-se neste grupo, com relativa folga.
Neste grupo está situada a chamada classe B e classe A. Há alguns meses atrás, numa discussão nos comentários do blog, um cidadão da região Nordeste do Brasil achou ridículo quando eu disse que os professores da rede pública estadual paranaense compunham a elite econômica do Estado. O caso é especialmente verdadeiro nos casos em que eram casados entre si, ou seja, uma família em que dois professores compunham uma família. A tabela do IBGE prova isso. Quando estamos entre o seleto grupo dos 3,5% mais ricos, obviamente compomos uma elite.
Obviamente, num mundo de ostentação como o nosso, não é esta elite que gostaríamos de compor. Quando imaginamos uma classe média, ou classe média alta, logo vem a mente do imaginário comum algo como uma típica família suburbana americana. É difícil para nós latino-americanos compreendermos nossa posição social quando nos comparamos com um norte americano médio. Uma típica família estadunidense de classe média, isto, a classe C americana, que situa-se entre os 40% e os 10% mais ricos da população desfruta um padrão de vida que normalmente está associado a bens de consumo de difícil acesso para a grande maioria dos ricos brasileiros.
Estes incluem uma casa ajardinada de centenas de metros quadrados, normalmente distribuídos em dois pavimentos, com um belo jardim, garagem com dois ou três carros, um deles utilizados só para o lazer e todos maiores que os nosso maiores carros, eventualmente um barco para lazer nas férias. A escola e faculdade dos filhos é normalmente privada, sendo que em vários casos as mães abdicam do trabalho enquanto os pequenos não atingem a idade de 5 anos. Além disso, é comum famílias com três filhos. Os adolescentes comumente adquirem seus próprios carros. Televisores, telefones, computadores são tão comuns que não chegam a representar um esforço para serem adquiridos, e os móveis parecem sempre muito novos e muito bonitos. A classe média americana vive, em termos de bens de consumo, em um patamar muito superior à grande maioria de nossa elite. Mas eles não são elite em seu país. São apenas “marmitões”.
A classe média é composta de encanadores, pedreiros, carpinteiros, mecânicos, mas também da grande maioria dos profissionais de nível superior que no Brasil constituem a elite econômica do país, como professores, contadores, engenheiros, auditores, advogados, corretores, etc. Isso porque a distribuição de renda é menos desigual. O percentual dos riquíssimos, assim como no Brasil, é composto de diretores de cargos elevadíssimos, que recebem bônus e ações, rendimentos de capital, empreendedores de áreas de alto risco, como bolsa de valores, ou donos de grandes heranças. Mas o luxo desfrutado por esta parte da população, não ofusca o bem estar da grande classe média.
No caso brasileiro, nossa classe média vive no limiar da pobreza. E nossa elite, em casas mal resolvidas, apertadas, não condizentes com suas aspirações ideais. Assim, como seu padrão de vida não reflete sua posição social, nossa elite convive com um complexo de inferioridade, que a leva a pensar e agir como se povão fosse. Nossa elite pouco participa de ações de caridade; ela acredita que essa responsabilidade cabe aos muito ricos, que no Brasil são pouco mais do que 100 ou 200 mil pessoas. Não participam de ações em seus bairros, deixando as associações e outras formas de coletividade ao sabor da proletarização e do oportunismo político.
Nossa elite não participa da política na escala necessária, porque se imagina classe média. E nossa classe média, pouco qualificada, participa da política entregando seus votos na forma de linguiçadas. Nossa elite não tem prestígio social, porque não participa da sociedade. Os médicos, advogados, contadores, professores, etc, que moram em meu bairro são ilustres desconhecidos. Não escrevem no jornal local. Não são cumprimentados no mercadinho local, nem na padaria. São zeros a esquerda, o que aumenta sua sensação de inutilidade social e de não pertencimento à elite. Esse papel acaba sendo ocupado por oportunistas, e os poucos cidadãos razoavelmente qualificados na sociedade local entregam espontaneamente o controle de sua vida aos oportunistas que manipulam as massas.
O não reconhecimento de seu papel social como elite tem implicações profundas em nossa sociedade. Caracteriza, creio eu, toda a nossa desestruturação social e política, que marca a decadência das últimas décadas. A última elite que se assumiu como tal no país, foi a turma da caserna, que entrou orgulhosamente pela porta dos fundos da política e saiu cabisbaixa pela porta da frente. Mas esta elite se impôs pela força, não pelo conhecimento, nem pelo poder econômico que detinha.  Nossa falta de liderança deriva de nossa falta de ideias. E a sensação de inferioridade, a inveja crônica do bem estar material e da cultura alheia e a incapacidade de reconhecer o próprio papel e assumir sua função, impede a retomada que a elite brasileira veja o mal que causa a si mesma e ao povo.
A elite, quer queria ou não, é a responsável pelos que estão sob seus pés. É sobre eles que ela se ergue. Quando a turba se revoltar é contra estes 3,5% que ela irá se voltar. Acordem, ajam ou esperem pelo pior.



[1] Verificar tabela 5.2 em Padrão de vida e distribuição de renda no link a seguir: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2013/default_tab_xls.shtm

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