POLÍTICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA: ALGO EM QUE O BRASIL É CAMPEÃO


Por Fernando Raphael Ferro
            Se há algo em que o Brasil é indiscutivelmente campão no mundo, pode-se dizer que é nas políticas de distribuição de renda. Mas não se apresse leitor: a razão não é esta que você está pensando. Se ao ler distribuição de renda você imediatamente associou aos programas Bolsa Família, LOAS, Aposentadoria Rural, e outros congêneres enganou-se redondamente. Explico.
            Conforme já comentado neste blog em outras ocasiões, renda é o resultado advindo de um dos fatores de produção. E os fatores de produção são três: terra, capital e trabalho. Do ponto de vista clássico, o rendimento da terra é o aluguel; do capital o juro; do trabalho o salário. Programas como o Bolsa Família não passa de uma distribuição de dinheiro, e o dinheiro não é renda, mas mercadoria.
É um tipo especial de mercadoria, obviamente, mas assim como as outras, seu preço varia no mercado conforme a ocasião, subindo e descendo ao sabor da oferta e procura. Quando há muito dinheiro disponível, as outras mercadorias tornam-se mais caras; quando há pouco dinheiro, elas tornam-se mais baratas. A isso se chama inflação e deflação respectivamente. É o mesmo que ocorre com batatas e automóveis, mas com o dinheiro é mais difícil de perceber.
A rigor, o “Bolsa Família” poderia estar distribuindo cestas básicas, ou pacotes de dados de telefonia. Daria no mesmo: o programa distribui uma mercadoria, não renda. Renda é necessariamente o fruto da utilização de um fator de produção. Se eu tenho um imóvel e eu o alugo a um terceiro, o dinheiro proveniente dali é uma renda. Ele será gerado enquanto o imóvel prestar aquele serviço ao terceiro. Se eu morar no imóvel, eu fico dispensado de pagar o aluguel para alguém e por isso ele estará me gerando uma renda indireta. Quando eu tenho uma propriedade rural e lanço sementes de milho na terra, os pés de milho que crescem e geram espigas estão produzindo frutos a partir dos nutrientes e do sol, sem meu trabalho. Isso é uma renda que a terra me paga. Posso vender este milho, trocando por dinheiro, ou trocá-lo por feijões, mas de qualquer forma, a renda foi gerada.
Um martelo utilizado para bater um prego e aumentar a velocidade do meu trabalho também me permite ganhar tempo, e por isso gera uma renda indireta. É um tipo de bem que chamamos capital. Seu benefício pode ser gerado em horas economizadas de trabalho, o então na produção real de bens, como um forno que assa biscoitos.
Por fim o salário, que é pago pelo esforço despendido para executar uma tarefa. O salário pode ser pago em dinheiro ou mercadorias, mas é o rendimento do trabalho. Sem trabalho, não há salário. Você pode receber renda do capital acumulado por seu trabalho anterior, da terra herdada de seus antepassados, comprada ou conquistada, ou ainda ganhar gratuitamente dinheiro ou mercadorias pela vontade alheia. Neste ultima caso, trata-se de caridade e não transferência de renda.
Mas se é assim, como pode o Brasil ser o país que mais faz transferência de renda no mundo? A resposta é simples: o Brasil pratica transferência de renda por meio de três instrumentos: Política Tributária, Política Monetária e Política Setorial.
A primeira funciona da seguinte forma: eu cobro impostos mais caros de um produto como forma de estimular o consumo de outro. Com isso, ele transfere a renda do capital, trabalho e terra de um setor mais produtivo para outro mais ineficiente. Isso ocorre quando o governo tributa de forma assimétrica os produtos fabricados num território em detrimento de outro, como é o caso da Zona Franca de Manaus, ou então os produtos importados.
O segundo caso é a política monetária: quando o governo aumenta o déficit público, ele gera inflação. A inflação nunca ocorre em todos os setores ao mesmo tempo e em geral o primeiro beneficiado é o governo, com o aumento da arrecadação, e o último os trabalhadores, que são os últimos a receber os reajustes nos salários. Assim num processo inflacionário, a renda do trabalho é transferida para os setores que podem ajustar mais rapidamente seus preços, que são normalmente a indústria e os serviços, mas, sobretudo o governo, que vê a arrecadação crescer antes dos preços.
A terceira forma são as políticas setoriais. Neste caso, colocamos todos os tipos de políticas que favorecem setores específicos: política industrial, política agrícola, política de reforma agrária, política de incentivo à cultura, etc. Neste caso, toma-se a renda da população via impostos e redireciona-se o montante para um setor, normalmente pouco eficiente, como forma de criar um estímulo. No caso, isso pode ser feito por meio de empréstimos subsidiados, como é o caso do PRONAF, dos empréstimos do BNDES, dos empréstimos realizados pelo Banco do Brasil e quase nunca pago integralmente pelos agricultores. Outra forma é pela isenção de impostos a determinados setores, como é o caso dos espetáculos culturais que “captam” recursos pela lei Rouanet. As políticas setoriais são tão amplamente praticadas que abrangem todos os lugares do país, desde taxistas, que tem incentivos para compra de carros, até empresas de ônibus, estaleiros navais, caminhoneiros, produtores de álcool e açúcar, vinho, cachaça, automóveis, tecidos, etc.
Este mar de incentivos cruzados, subsídios e proteções indiretas fizeram do Brasil o campeão mundial em políticas de transferência de renda e certamente ajudam a explicar porque somos um dos países com maior concentração de renda no mundo. Afinal, a maior parte da renda disponível num país sempre provem do trabalho (cerca de 50%) e é dali que sai a maior quantidade utilizada para a distribuição. Os beneficiários sempre são os setores mais ricos, e curiosamente aqueles mais capazes de solicitar proteção.

Desta forma, o Governo tornou-se o maior concentrador de renda do país, através do uso indiscriminado de subsídios, proteções e abusos na política monetária. Um liberal, obviamente, torce o nariz para tudo isso. A única forma decente de acabar que esta zorra é eliminando estas políticas absurdas. Por isso até que eu dizia na época das eleições que o Bolsa Família, que é um programa de distribuição de mercadoria, não é nem nunca foi o maior problema do país. O maior problema é a distribuição de renda realizada pelo sistema tributário mais complexo do hemisfério sul aliado a uma política monetária do crioulo doido em uníssono com subsídios disparados para todos os lados. A mudança depende de uma só coisa: simplicidade.

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