DIRIGIR PELA CIDADE


Por Fernando R. F. de Lima

Dirigir é, para mim, uma experiência ao mesmo tempo gratificante e estressante, ainda mais na cidade. Pegar o carro numa manhã fria, ligar o rádio, o ar quente, e curtir sua banda preferida enquanto desliza por ruas bem pavimentadas é uma experiência quase tão gratificante quanto beber um vinho ou uma cerveja bem encorpada enquanto aquece a churrasqueira e prepara a carne num sábado à noite ou num domingo pelo fim da manhã.
Outra condição que me agrada muito é pegar a estrada, tendo 400, 500 ou 1500 quilômetros pela frente, com a perspectiva de retornar para casa apenas ao fim do dia ou no dia seguinte. Um mau dia na estrada ainda é melhor que um bom dia de trabalho, parafraseando a frase que se referia à caçada ou à pescaria. Estradas bem pavimentadas e não muito movimentadas, diga-se de passagem.
De fato, num país como o nosso, o carro é um dos poucos locais em que podemos desfrutar de condições privilegiadas de climatização, resfriando ou aquecendo seu interior quando necessário. Permite-nos ainda controlar o volume e o tipo de som que queremos ouvir ou nosso ritmo de viagem, de um modo que a pé é simplesmente inviável para a maioria das pessoas. O carro ainda nos garante uma relativa privacidade que muitas vezes nem mesmo em nossas casas encontramos, em especial os moradores de apartamentos em áreas densamente povoadas.
Este ambiente pacífico, tranquilizador, aconchegante e doméstico criado dentro do automóvel pode se tornar, no entanto, um espaço de tortura, onde nos sentimos privados de nossa liberdade e ameaçados constantemente pelos outros, numa guerra de todos contra todos que mais se assemelha ao estado de natureza hobbesiano que a qualquer outra coisa.
Muitas vezes, o problema é a burrice e incompetência da engenharia de tráfego, ou da ausência dela, que prolonga o tempo de percurso levando-nos a permanecer parados dentro do carro. Interseções mal feitas, semáforos dessincronizados, faixas demasiado estreitas, ou sem sinalização, e pavimentação precária tiram-nos preciosos minutos de nossa jornada diária, que ao fim de uma semana transformam-se em horas, ao fim do mês em dias e ao fim de nossas vidas em anos perdidos com problemas viários simples de se resolver.
Nestes momentos, quando começamos a nos convencer do tempo que perdemos atrás de um volante parado numa interseção desastrosa, alguns cogitam até mesmo abandonar o automóvel e recorrer ao massacre diário conhecido pelo nome de transporte coletivo. Ou ainda, resolver recorrer a uma atitude zen e adotar uma bicicleta ou a alternativa mais óbvia, uma motocicleta. Não é nestas alternativas, porém, que reside a solução para a grande e solitária maioria sobre quatro rodas. A alternativa, na maior parte das vezes e resignar-se e esquecer do tempo, aumentar o volume e tentar beneficiar-se do ambiente potencialmente aconchegante, seguro, limpo e exclusivo que existe dentro do automóvel.

Alguns criticam o automóvel por ser o símbolo de uma era individualista, um meio pelo qual as pessoas das sociedades massificadas exprimem sua identidade pessoal. Pois num mundo cada vez mais dominado por ideais coletivistas, pseudo-humanitários, talvez seja o automóvel um símbolo da resistência contra todos aqueles que querem suprimir a individualidade e a liberdade da face da terra. Motoristas de todo o mundo, Uni-vos!

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