RESENHA: LOS ANGELES: A ARQUITETURA DE QUATRO ECOLOGIAS, DE REYNER BANHAM.

Por Fernando R. Ferro de Lima.

            Há tempos eu não lia um livro que me prendesse tanto a atenção quando “Los Angeles: a arquitetura de quatro ecologias” de Reyner Banham, da coleção Cidades da Wmf Martinsfontes. Apesar da edição em português ser apenas de 2013, o original foi publicado em 1971, o que ilustra uma vez mais nosso atraso editorial quando o assunto é planejamento e história do urbanismo. Mas os méritos do livro fazem dele uma leitura muito agradável apensar dos 43 anos que o separam de sua publicação original.
            Em partes os méritos derivam do objeto de estudo: Los Angeles já foi alvo de outros textos neste blog, alguns críticos, embalados, sobretudo, pela leitura de Mike Davis e Jane Jacobs. O primeiro, em A Ecologia do Medo, descreve um panorama sinistro da 2ª maior metrópole da América, com uma ameaça catastrofistas típica dos marxistas terceiro mundistas. A segunda, certamente uma das pessoas mais influentes em termos de planejamento urbano e recuperação de áreas degradadas, tem uma visão pessimista de Los Angeles, porque sua configuração suburbana é o exato oposto do que ele considera como uma cidade ideal.
            Obviamente, Jacobs e Davis não são os únicos detratores de Los Angeles: no mundo ocidental, as cidades europeias, compactas, com todos os serviços sempre a mão são consideradas os modelos ideais. E Roma do mundo moderno, Nova York, também não foge a este modelo compacto, apesar de sua grandiosidade. Os subúrbios seriam, portanto, a antítese do que deveria ser uma cidade ideal, apesar de ser o modelo dominante de configuração urbana na América do Norte.
            Hoje eu consigo perceber que parte do ódio em relação aos subúrbios deriva de um antiamericanismo que não possui exatamente raízes racionais. Reyner Banham, que era um entusiasta da segunda era da máquinas, como ele chamava o mundo pós segunda guerra mundial, debruçou-se sobre Los Angeles, para extrair dela o que havia de melhor. Sua empresa começa com a divisão da cidade a partir do que ele define como as quatro ecologias: a surfúrbia, as encostas, as planícies, e a autópia. Os termos em si já trazem algo do que se encontra na cidade.
            A surfúrbia trata da arquitetura (e engenharia) desenvolvida na beira mar. Los Angeles é a maior metrópole praiana do mundo, rivalizando apenas com o Rio de Janeiro. Esta é uma das afirmações que encontramos no livro. No entanto, Los Angeles consegue uma ocupação mais intensa e característica da Costa porque, no fundo, possui mais áreas de costa que o Rio de Janeiro. E ao longo deste litoral, desenvolve-se uma cultura e arte, manifestas nas pranchas de surf, no estilo das casas e no modo como a costa é ocupada, com seus longos píeres, seus portos artificialmente construídos, que dá a Los Angeles e aos angelinos uma de suas principais características: certo desprendimento material daqueles que vivem apenas para curtir o sol e as ondas. Uma cultura que é o oposto da vida dura de trabalho a qual se dedica grande parte da população dos EUA.
            A segunda ecologia, a das encostas, trata do modo como as colinas desfiladeiros e cânions levaram a um tipo especial de arquitetura: como foram conquistadas as encostas e muitas vezes a necessidade de adaptá-las que que aceitassem o modo tradicional de construção americano. Mas as encostas criaram também vistas, uma arquitetura que tira proveito do que se vê, sejam as imensidões das planícies, ou ainda a natureza quase selvagem dos desertos e oceanos.
            Na terceira ecologia é que se encontra a Los Angeles que vem a cabeça de todos: os imensos subúrbios, que se estendem de norte a sul, realizando o sonho da fazenda urbana: casas com amplos jardins, relativamente isoladas umas das outras, garantindo um espaço de privacidade para cada um de seus moradores, que os cerca e isola.
            Por fim, a autópia. Afinal, Los Angeles é mundialmente conhecida por suas freeways, que cortam a cidade em todas as direções. Certamente, os angelinos estão entre os seres humanos que mais dirigem em toda a humanidade, sem que isto os torne piores. Banham inclusive afirma que é muito melhor dirigir em Los Angeles que em Londres, sua terra natal, ou qualquer outra grande cidade. E que a comodidade oferecida pelo automóvel dificilmente seria superada por qualquer outra forma de deslocamento. Los Angeles e suas autopistas, sua cultura de personalização de veículos, e os hábitos criados pela circulação constante mostrariam o futuro de todas as grandes cidades do mundo.
            Na descrição da origem desta cidade gigantesca e sui generis, o autor também mostra que antes de ser a causa de Los Angeles, o automóvel era consequência de sua configuração inicial. Foram os trens que tornaram possíveis os diversos núcleos que integrariam a metrópole, e a Southern Pacific teve um papel decisivo. As freeways, ao menos as primeiras, foram construídas ao longo das linhas férreas eletrificadas, com vistas a resolver os problemas causados pelos conflitos de direito de passagem entre trens e carros e também para contornar a lentidão causada pelo excesso de paradas.
A ferrovia urbana, portanto, foi a responsável pelos primeiros subúrbios. Mas ao contrário de outras grandes cidades, que resolveram estes problemas através da criação de redes de metro, Los Angeles nunca foi caracteriza por uma migração pendular bem definida, pela própria ausência de um núcleo predominante sobre os demais. Seu policentrismo, permitiu que o automóvel se tornasse o meio predominante de transporte, em partes por sua comodidade e capacidade de chegar a todos os lugares.

            Depois de tudo isso, deve-se destacar ainda que o livro é um passeio pela arquitetura moderna de Los Angeles, que na opinião do autor é uma das melhores e maior qualidade do mundo ocidental, manifesta menos em seus edifícios públicos e mais em suas casas, que são variadas e inovadoras em diversos aspectos. Por tudo isso, os temas abordados e uma defesa do automóvel e das autopistas, o livro é uma leitura apaixonante.

Comentários

INTERCEPTOR disse…
Ótima resenha, me deu vontade ler o livro.

Acho que foi M.Davis ou algum desses críticos que chamou LA de "não cidade", justamente devido a ausência de um centro integrador.

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