O MEDO DO MERCADO
Por
Fernando R. F. de Lima.
O medo do mercado é o medo do poder
transformador e revolucionário que a concorrência exerce nas relações humanas.
Afinal de contas, todos estamos, em última instância competindo pela
sobrevivência, um fato que não pode ser ignorado por ninguém. Obviamente, esta
visão não exclui e nem deseja excluir o fato de que não apenas na sociedade
humana, mas em todas as formas de vida neste planeta, há não apenas competição,
mas também cooperação.
Mas o fato é que quando pensamos nas formas
de organizar as coisas, há sempre o temor de que a competição altere
indesejavelmente o status quo. Digo
isso porque atuo no setor público e pela minha formação e atuação profissional
estou sempre próximo da discussão sobre planejamento. E vejo que as pessoas
entendem que o planejamento deve ser sempre dirigido pele Estado, para o Estado
e rigorosamente fiscalizado e controlado pelo Estado, o que é, ao meu ver, um
erro.
As pessoas agem assim porque atualmente,
praticamente todo cidadão com curso superior que trabalhe na área de economia,
engenharia, geografia ou administração pública passou todos os anos da
faculdade e os demais anos de serviço público ouvindo falar nas falhas de
mercado. O Estado, segundo a teoria tradicional, deve atuar para corrigir, dirimir
ou minimizar as falhas de mercado. Deve atuar contra os oligopólios, monopólios
e proteger o cidadão os abusos do mercado. Para isso, os serviços públicos,
como saúde, educação, transporte, segurança, etc, devem ser, sempre que
possível, fornecidos ou fortemente regulados pelo poder público.
Esta visão, apesar de conter uma boa dose de “bondade”
e “ingenuidade” por traz dela, que disfarçam um forte viés paternalista típico
dos pós-marxistas que estudaram economia brasileira com os livros de Celso
Furtado, geografia com Milton Santos, e sociologia com Florestan Fernandes, é em
essência errada. Porque a única força capaz de combater um monopólio ou
oligopólio é o aumento da concorrência. Fiscais e planejadores podem ser
corrompidos, legislações podem sofrer (e sofrem) a influência de lobistas, mas
a concorrência faz com que cada vez mais pessoas busquem lucrar com oferta do
serviço que pertence a um só.
Eu não consigo, por exemplo, ver sentido
algum na ideia de que o serviço prestado pelos taxistas deva ser objeto de
concessão pelo setor público, que só possa ser explorado mediante licença
expedida, em quantidades fixadas previamente, para um grupo restrito de
pessoas. No modelo atual, que contrariando os recorrentes manifestantes, não
tem nada de liberal, as pessoas responsáveis pelo planejamento do setor ficam
se debatendo para encontrar uma fórmula que permita que os taxistas tenham uma
remuneração razoável ao mesmo tempo em que os cidadãos tenham um acesso decente
ao serviço. A ideia básica é impedir a concorrência desleal, ou a cartelização
do setor, ou ainda o domínio de poucos grupos econômicos.
Um planejamento inteligente deixaria estas
questões de lado, focando nos requisitos necessários para que um bom serviço de
táxi fosse oferecido. Para tanto, especificaria o tamanho mínimo do veículo,
equipamentos obrigatórios de segurança e os requisitos necessários para que
alguém se tornasse motorista. Poderia padronizar cores e o sistema de cobrança
e a expedição das licenças poderia até ser cobrada. Mas nunca um sistema
baseado neste modelo fixaria um número mínimo ou máximo de taxistas na cidade.
Tampouco se preocuparia em fornecer subsídios para a aquisição de veículos.
Tantos quantos quisessem explorar este
mercado, estariam aptos a fazê-lo. O mesmo deveria ocorrer com o transporte
intermunicipal de passageiros. Concessões e criação de horários e rotas
pré-fixados são criadores de monopólios e cartéis e não corretores para falhas
de mercado. A livre exploração do serviço, seguindo algumas regras mínimas,
traria um serviço muito melhor para a população. Mas aí entre o medo da
concorrência.
Qual seria o impacto de um mercado livre de
taxis numa cidade como Curitiba? Iria diminuir ou aumentar a quantidade de
motoristas? Os acidentes cresceriam ou reduziriam? O tempo de espera por um
táxi iria aumentar ou diminuir nos horários de pico? A remuneração dos taxistas
iria aumentar ou diminuir? E o preço do táxi? Todas estas perguntas criam
insegurança, porque uma coisa é certa: a situação iria mudar. Isso gera temor.
Em geral, aqueles que deveriam zelar pelo bem público tem medo que as falhas de
mercado façam tudo piorar. Aqueles que são beneficiados pelo modelo atual,
temem as perdas e a competição. Mas provavelmente os maiores beneficiados
seriam os motoristas de táxi (que hoje são em grande maioria contratados pelos
poucos donos de licença de táxi) e os passageiros, que atualmente sofrem para
conseguir um táxi quando mais precisam.
Dei um exemplo banal, com um serviço
cotidiano, mas se pararmos para analisar, veremos que a mesma lógica se aplica
à saúde pública e à educação. Atualmente, com 1/5 dos recursos que são
utilizados no Hospital de Clínicas, o Hospital Evangélico de Curitiba atende o mesmo
número de pacientes. Deve-se destacar que o Hospital Evangélico não é nenhum
exemplo em administração de recursos, mas ao contrário do HC, lá não há
técnicos de enfermagem ganhando duas, três vezes mais que a média salarial de
mercado, como ocorre nos hospitais públicos. Nas faculdades públicas o custo
por aluno é mais de três vezes superior ao das faculdades privadas. Nas escolas
públicas, a maior parte dos recursos destinados a educação é empregada longe
das salas de aula.
O medo do mercado impede que uma revolução
completa na qualidade dos serviços públicos oferecidos ocorra. E a desculpa é
sempre que deve-se conter, controlar e impedir as falhas de mercado, que na
maioria das vezes são criadas pelo próprio desejo estatal de controlar, conter
e impedir que elas aconteçam. Repedindo o mantra do século XIX, laissez-faire!
Comentários
Sendo assim, junto-me ao coro: laissez-faire já!!!