AS MENTIRAS QUE OS PROFESSORES DE GEOGRAFIA CONTAM PARA SI PRÓPRIOS


Por Fernando R. F. de Lima.
Professores, de qualquer disciplina, mas de geografia, que é meu foco, quando atacados em sua zona de conforto tornam-se criaturas muito agressivas. Na elaboração da defesa de suas práticas, tendem a buscar culpados e a contar novas mentidas, desta vez para si próprios. Obviamente, este comportamento irresponsável de sempre atribuir aos outros a culpa pelos próprios atos é em si mesmo uma amostra do tipo de ideologia que permeia toda a sociedade. Como diz Luiz Felipe Pondé, a ideologia de que o homem é bom, mas corrompido pela sociedade má, permeia quase toda a cultura.
Para defender, portanto, a pureza de sentimentos dos professores de geografia que ensinam bobagens aos alunos, cheias de teorias ultrapassadas, a culpa recai sobre dois tipos malévolos: os escritores de livros didáticos e os diretores de escola. No entanto atribuir a escolha do livro ao diretor da escola é a) mostrar desconhecimento da realidade do ensino brasileiro, tanto privado quanto público ou b) ensaiar uma fuga pela tangente. Normalmente quem escolhe o livro é o professor ou uma comissão de professores da área. No caso das grandes redes de colégio, normalmente existe uma coordenação que escolhe os livros, na maioria das vezes em parceria e por sugestão dos próprios professores.
Obviamente, os critérios enviesados de escolha de livros, como bem disse o Diniz, começam muito antes, nas faculdades, sobretudo nas públicas, cujo comportamento e ideologias é mimetizado em todas as outras escolas e faculdades. Questões de mercado também contam, mas diante do curriculum pautado pelo MEC e pelos vestibulares das melhores universidades, qual é a variabilidade existente nos livros didáticos? É possível citar um autor que fuja dos lugares comuns ensinados há décadas (sobretudo desde os anos 1980) nas escolas Brasil afora?
No fundo, a presença ideológica nas escolas é tão forte que os professores já nem sabem questioná-la. Mas isso não é desculpa, assim como atribuir à má formação dos professores sua ignorância na hora de escolher livros, ou de criticá-los em sala de aula. O acesso à informação é hoje universal: por todos os meios somos capazes de ver e criar uma versão própria de interpretação do mundo, e acima de tudo, de crítica das interpretações existentes.
Se o curriculum escolar e universitário fosse determinante, eu, o Diniz e o Anselmo seríamos tão “marxistas” quanto aqueles que criticamos, pois todos nós tivemos nossa formação no mesmo sistema de ensino que os demais. O que faz diferença na formação “boa” ou “ruim” de um profissional é o seu próprio comprometimento com a busca pelo conhecimento. Professores, por definição, deveriam ser pessoas comprometidas com o constante aperfeiçoamento. Buscar visões diferentes de mundo deveria ser a primeira lição da cartilha. Se assim fosse, além de ler Marx (se é que a maioria realmente leu), os professores deveriam também ler Webber, Durkheim; deveriam prestar atenção nas aulas de epistemologia e se questionar o que havia de tão errado na geografia quantitativa além do fato dela ser mais difícil do que repetir bordões surrados dos movimentos de 1968.
Mas quantos professores realmente leram alguns livros sobre a história dos costumes, ao invés de apenas repetir que os costumes são moldados pela ideologia consumista? Quem se atreveu a ler Norbert Elias? Em filosofia, resolveu encarar José Ortega-y-Gasset? Ou um Ludwig von Mises, ou ainda o Hayek, só para variar nas opções metodológicas? Quem encarou Popper? Ou se contentaram, em sua grande maioria, com Chauí, Vessentini, Milton Santos (outro mais comentado que lido, em partes porque quase ininteligível)?
Ao falar sobre cidades, quem buscou livros como o de Jane Jacobs, que aborda a cidade de um ponto de vista muito diverso do que a maioria dos “planejadores de cidade”? E sobre modernidade então? A maioria, quando leu alguma coisa além de textos pré-selecionados em fotocópia, não passou de panfletários como Mike Davis ou ainda David Harvey. Os doutores que escreveram os livros didáticos da minha filha passaram os olhos por teses como a de François Chesnais e a abraçaram sem qualquer senso crítico. Mas sem qualquer senso crítico também, desviram os olhos de gente como Thomas Friedman, porque este é pró-globalização (apesar de igualmente superficial).
Quem fala de cidades no Brasil de hoje dificilmente encara um banco de dados do censo demográfico (se é que sabe o que é isso), se contentando com textos e tabelas prontinhas que aparecem nos releases ou em artigos de terceiros, ou seja, fontes de quarta ou quinta ordem. Isso no Brasil, que conta com um sistema estatístico de informações municipais dos mais avançados do mundo. Mas a ampla maioria dos professores (tanto universitários quando das escolas, colégios e cursinhos), acha que SIDRA é apenas um tipo de “champanhe” tomado no fim de ano. E tantos outros, mesmo que tivessem os dados na mão, teriam imensa dificuldade em interpretá-los e aceitar o que eles informam sobre a realidade.
Esta imensa incapacidade de aprender não é culpa da formação: é apenas o resultado da preguiça e da falta de capacidade intelectual. Os mais inteligentes nestes grupos, muitas vezes preferem usufruir dos benefícios de se integrar ao status quo abdicando dos questionamentos em troca da busca por prestígio no meio universitário. Estes, rapidamente descobrem o caminho das pedras e passam a escrever livros didáticos de geografia, ou se encastelam em algum departamento ou coordenação escolar de geografia.
Concordo quando dizem que a maioria dos professores não é defensor do PT por convicção. Concordo também quando dizem que a maioria não faz militância propositalmente em sala de aula. Há muito exagero nesta história. No entanto, a maioria faz militância em sala de aula sim, se não propositalmente, por preguiça de estudar, se informar e buscar conhecimento fora dos territórios consagrados. Por isso que em outra oportunidade defendi o fim da “geografia escolar”, para que as próprias forças de mercado possam renovar a “geografia acadêmica”, abrindo as janelas e permitindo de um ar não viciado por ideologias retrógadas.
Até lá, os professores que falham em seu dever de ensinar, continuarão contando mentiras para si próprios e seus alunos, seja por incapacidade ou por indecência. E a maior utilidade prática da geografia nas escolas continuará sendo empregar gente sem talento prático algum, lembrando sempre que reconheço que há gente muito boa penando nas escolas, porque se assim não fosse, não existiriam ilhas de sobriedade neste país, mas apenas a alienação esquerdóide reinante.

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