BRASÍLIA E OS SONHOS MODERNISTAS
Por Fernando R. F. de Lima

A foto no início deste post é da capa de um livre, cujo autor e também o conteúdo desconheço. O que me chamou atenção foi a perspectiva escolhida para a fotografia que ilustra a capa do livro: olhando atentamente, nota-se ao fundo um prédio. Mas quase toda a capa é tomada por uma imagem de savana, com árvores esparsas e só. Ou seja, a cidade de Brasília, conforme retratada, é um pasto, não uma cidade.
No fundo, Brasília, assim como as outras cidades lineares imaginadas, foram pensadas para ser o oposto do que as cidades normalmente são. Cidades conforme as conhecemos não são fruto de uma mente brilhante. São obras do acaso. Pode-se imaginar as cidades como corais crescendo a própria sorte, corais de concreto, tijolos, madeira e asfalto. Cada pessoa deposita suas esperanças e perspectivas num pedaço de solo, aposta num negócio próprio ou numa nova família e vai construindo o tecido urbano. De tempos em tempos a “coletividade”, representada pelo poder público, intervém, abrindo uma rua nova, refazendo as calçadas, implantando pavimentos e melhorias, e assim as cidades vão crescendo e se transformando. 
Brasília é a antítese disso. Ela foi pensada em seu traçado por um só homem, e seus edifícios mais importantes foram desenhados por um pequeno grupo de pessoas. Obviamente, com o passar dos anos, suas superquadras foram se diferenciando pela obra dos empreendedores individuais, mas suas linhas mestras ainda persistem. Nenhuma cidade pode ser construída e gerida por um homem só. Entendendo a cidade como uma amostra de uma nação, nenhuma nação pode ser dirigida e pensada por um grupo só, por um pequeno número de homens. 
A oposição entre sonhos, desejos e idéias é força criadora das sociedades modernas, o que exige tolerância, liberdade e sobretudo pragmatismo. Por isso a alternância de poder e o debate de idéias, com a renovação das lideranças sociais e políticas é sempre necessária para oxigenar um país. Por isso não há regime melhor que a democracia quando o assunto é gerir os homens. E por isso eu não acredito em revoluções e rupturas, mas apenas em reformas.
O mundo em que vivemos certamente não é o melhor dos mundos possíveis. Ainda estamos muito distantes daquilo que grande parte das pessoas considera ideal. Ainda somos muito violentos, muito antisociais, muito egoístas, enfim, uma série de características negativas ainda marcam nossa natureza humana. Mas podemos ver que em vários tópicos nós avançamos. E continuaremos a avançar se a liberdade individual continuar a ser um valor soberano nas decisões da sociedade.
Comecei falando de Brasília porque ela é não é uma utopia, uma vez que foi realizada, mas uma distopia modernista, fruto dos ambiciosos sonhos de tecnocratas que imaginavam poder moldar o novo homem e o novo mundo. Mas Brasília está muito longe de ser uma cidade bela e perfeita. É, das grandes cidades brasileiras, a que tem de longe a maior desigualdade entre ricos e pobres, com uma periferia imensa e abandonada que ultrapassa os limites do distrito federal. Ela mostra, de certa forma, que os sonhos tecnocráticos são sempre possíveis para uns poucos, desde que a grande maioria fique longe, e que da janela de seu apartamento você pode contemplar o pasto.

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