PROTESTANDO PELA LIBERDADE, OU SERÁ PELA ESCRAVIDÃO?
Por Fernando
R. Ferro
Eu admito que sou um cara pessimista quanto
aos rumos do Brasil. Ademais, tenho uma desconfiança muito grande das massas,
sejam as doutrinadas massas partidárias e sindicalizadas, sejam as massas amorfas
da classe média que protestam contra a corrupção e pela saída do PT. Desconfio
ainda mais dos motivos reais que levam as pessoas às ruas. Será um grito pela
liberdade ou será um grito pela escravidão?
Durante os doze anos de governo PT, os
desmandos foram notícia constante. Víamos na TV, nos jornais, revistas,
internet, enfim, em todos os veículos pululavam notícias da falência ética,
econômica e política das instituições pátrias. A massa permaneceu este tempo
todo silenciosa, enquanto os fundamentos de sua liberdade eram solapados.
Apesar da sensação de prosperidade dos primeiros oito anos do governo PT, a
verdade é que ficamos mais pobres que o restante do mundo. Nossa economia
cresceu menos que a média mundial. Salvos pelo peso da nossa demografia,
avançamos e ganhamos destaque, mas a situação nunca foi boa.
A indústria viveu um franco processo de
deterioração e a única resposta foi mais proteção governamental. Nossa moeda
sobrevalorizada mascarou a estagnação da produtividade econômica. Os serviços
tampouco melhoraram. Ficamos doze anos parados no tempo. O povo, contudo, em
berço esplêndido, nunca reclamou. Ou melhor, reclamou durante um breve período
em 2013. A reclamação foi, suspeito, motivada por um aumento das passagens de
ônibus, seguida de um pedido de passe livre. Depois virou uma onde de protestos difusos
contra a Copa do mundo, que pouco antes havia sido comemorada como conquista, e
pontualmente, contra a corrupção.
Em 2014, a euforia patriótica da Copa
nacional apaziguou os ânimos e a derrota acachapante na semi-final, e depois
na final, colocou os brasileiros em estado de dormência. Na eleição que poderia
corrigir os rumos, porém, o brasileiro foi conservador e preferiu manter o PT
por outros quatros anos no poder. Mas sejamos justos: a eleição polarizou o
Brasil entre os que queriam mudanças e os que satisfeitos desejaram manter tudo como está.
Agora, quando cada vez mais fica evidente a
destruição da Petrobrás pela corrupção sistêmica do PT e a conta pelos anos de
gastança descontrolada é cobrada, o populacho se revolta. Novamente cabe uma
correção. Este populacho inclui gente escolarizada, de renda média e alta, que
foi contra Dilma nas eleições de outubro. É um populacho qualificado, portanto.
Mas o que motiva os protestos? Será mesmo a
corrupção? Ou será a destruição da Petrobrás, símbolo do atraso, conhecido pelo
nome de nacional-desenvolvimentismo? Particularmente, motiva-me mais indignação a incompetência que a corrupção. Explico: o corrupto descansa às vezes, assim
como o malvado. Já a incompetência, conduzida pelos néscios, é incansável. Não
para nunca. Atua sete dias na semana, vinte quatro horas por dia, nos 365 dias
que dura a translação. E tal qual o sujeito da história, nascem ignorantes,
nada aprendem durante a vida e ainda esquecem metade antes de morrer. Desconfio
que os brasileiros não estão indignados com a corrupção de fato. Estão
indignados com a liberação de preços controlados.
Quando a gasolina tinha seus preços artificialmente
controlados, ninguém reclamava; quando as tarifas dos ônibus ficaram
populisticamente abaixo do preço de equilíbrio, ninguém saiu às ruas. E não vejo
ninguém bradando pela privatização das estatais. Pelo fim dos subsídios dados
ao BNDES. O que as pessoas querem, no fundo, são políticos virginais. Políticos
incorruptíveis, imaculados. Querem um Sebastião que ,ressurreto, as salvem do
julgo estrangeiro.
Mas salvadores não existem. A corrupção está
no homem (e na mulher). Para ficar na metáfora, depois de Gênesis, capítulo 12,
ninguém está isento da natureza pecadora. Isso não nos impede, obviamente, de
sermos honestos e justos. Mas quando escolhermos transferir 40% de nossa
riqueza, voluntariamente, para que um grupo de 513 picaretas e um presidente a
administrem, vigiados por uma dezena de magistrados escolhidos por este mesmo
presidente (ou seus antecedentes), estamos nos condenando à escravidão. E não
apenas isso. Estamos oferecendo um butim generoso à partilha.
Se a Petrobrás fosse uma empresa privada, um
eventual escândalo de corrupção interno não nos afetaria. Se o BNDES fosse um
banco privado, seus erros estratégicos de investimento não nos afetariam. Se a
Caixa Econômica Federal ou o Banco do Brasil fossem instituições privadas, seus
presidentes poderiam convidar quantas socialites quisessem para servir de
companhia em suas viagens, a onde quer que fossem. Nenhum destes problemas nos
afetariam. Mas nós escolhemos ter estes problemas. Ao longo da história,
brasileiros entregam sua riqueza ao governo em troca de “benesses” e “direitos”.
Os direitos trabalhistas, por exemplo, que
favorecem 1 milhão de trabalhadores sindicalizados e prejudicam 25, 30 milhões
de subempregados. Afogam microempresários. Os diretos do funcionalismo público beneficiam a classe mais rica do país, a que mais faz greves, que menos trabalha,
que mais cedo se aposenta, que menos tempo contribui. Mas ela é amplamente
defendida pela população. Além disso, é a mais invejada, porque, mais que ser
rico, todo brasileiro deseja é ser funcionário público.
Então, leitores e amigos, eu desconfio muito
da voz que vem das ruas. Conheço alguns dos que estão diretamente envolvidos
com o movimento, como meu caríssimo amigo e coautor Anselmo Heidrich, e sei que
ele concorda com quase tudo o que escrevo. Mas acho, sinceramente, que o que aquela
massa que ele comanda deseja não é a liberdade, mas a servidão. Apenas querem a
mudança do senhor. Não que seja um mau começo.
Sinceramente, eu desejo estar errado em minha
leitura. Gostaria de crer com sinceridade que estamos diante de um despertar
para a liberdade. De um alvorecer da luta pelo fim da servidão. Que são pessoas
desejosas para assumir as rédeas de seu destino, sem o paternalismo de um
governo forte a lhes guiar que estão nas ruas. Que esta massa de descontentes acordou para o fato
de que o grande mal é o estatismo, o nacionalismo, o protecionismo, o
intervencionismo, e que não há força mais libertadora no mundo que a
concorrência. Mas eu duvido.
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