FALSO VIÉS SOCIAL


    Imagine-se em uma grande cidade, como Curitiba, procurando por uma sala de cinema que passe filmes "autorais", de arte, ou que não sejam voltados para o grande público. Agora responda a alternativa abaixo em que se encontra o lugar que parece mais lógico para encontrar este tipo de filme:
a)    Um Shopping Center;
b)    Uma "fundação cultural" num bairro com perfil industrial;
c)    No centro da cidade.
Se você respondeu à alternativa "c", você esta no grupo dos seres humanos normais, de posse de suas perfeitas faculdades intelectuais. Já se você respondeu a alternativa "a", provavelmente você é um adolescente ou não sabe o que significa filme "autoral" ou de arte. Agora se você escolheu a alternativa "b", há uma grande possibilidade de você ser técnico da prefeitura da Curitiba ou ainda o prefeito desta cidade, tendo em vista que se pretende inaugurar uma sala de cinema alternativo, formadora de público, na Cidade Industrial de Curitiba, que apesar de ser bairro mais populoso da cidade, não fica perto de qualquer tipo de referência cultural.
A iniciativa pode até parecer boa: colocar um centro de "arte" na periferia com o objetivo de incentivar as pessoas da periferia a buscarem cinema alternativo. Contudo, este tipo de projeto está fadado ao fracasso, assim como o Museu Metropolitano de Arte, construído na gestão Requião, na década de 1980 por motivos óbvios: as pessoas que procuram por uma programação cultural, digamos, alternativa, vão procurá-la no centro da cidade, onde a probabilidade de encontra-la é maior. No caso de Curitiba, o fechamento das principais salas de cinema do centro da cidade, que em grande parte eram mantidas pela prefeitura, teve como efeito colateral o fechamento de livrarias, cafés, lojas, além de mudar drasticamente o perfil de frequentadores da rua XV de novembro, que hoje se parece cada vez mais com as ruas de comércio popular de qualquer grande cidade brasileira.
Mas a XV nem sempre foi assim. Uma prefeitura que prezasse pela preservação da memória da cidade e pela manutenção do centro, e não sua transformação numa grande cracolândia ou ainda num "Saara", procuraria reforçar as atrações culturais e diversificar o perfil comercial do centro, inclusive estimulando a presença de lojas voltadas a nichos comerciais. Centros urbanos densos, bem aproveitados, variados, cosmopolitas, são quase sempre um sinal de civilidade. O centro de Curitiba está cada vez mais abandonado e a civilidade também está indo igualmente embora.
A instalação do Centro Cultural do SESC na praça Generoso Marques, foi um ponto fora da curva neste sentido. Mas, isolado como está hoje, está em pouco tempo fadado ao esquecimento. Eu me lembro de que nos meus tempos de estudante deixar papel jogado na rua era motivo para ser visto como uma besta pelos colegas de classe. Hoje eu vejo muitos estudantes, inclusive de escolas particulares, que pouco se importam com o lixo espalhado. Eles têm até mesmo um pouco de razão, tendo em vista que o centro torna-se cada vez mais degradado mesmo.
Assim, este falso viés social de querer espalhar cultura pelos bairros é só uma estratégia populista para angariar votos, enquanto o centro da cidade, o símbolo que unia os curitibanos, é relegado ao esquecimento e à degradação. Enquanto isso, a cidade permanece oferecendo menos opções culturais que Porto Alegre.
 
Fernando R. F. de Lima
www.democraciaeliberdade.blogspot.com
Homo sum humani nihil a me alienum puto

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