UMA QUESTÃO DE DENSIDADE - PARTE 2

No bairro onde moro, na rua onde moro, é possível perceber que dificilmente há mais de 50 residências por quarteirão. Apesar disto, boa parte das áreas deste quarteirões estão impermeabilizadas, seja por telhados, seja por calçadas. Os terrenos do bairro são, em geral, antigos. Na época em que o Bairro Alto foi loteado, o normal era dividir os quarteirões em terrenos de 500 m². Cada quarteirão tem aproximadamente 100 metros de lado, resultando em 10000 m² ou 20 lotes Estes lotes foram ocupados por uma família, normalmente, e por famílias pobres e médias em seu começo. Com isso, a densidade demográfica do bairro era muito baixa. Com o passar dos anos a pressão por residência levou grande parte das famílias que ocupavam um único terreno a construir mais casas nestes lotes, de modo que hoje é muito comum que os terrenos tenham pelo menos 3 casas cada um. Às vezes as casas novas eram construídas para fins de aluguel, às vezes para servir a um filho ou filha recém casado.
Mas tarde, a ocupação passou a se dar por meio da construção de sobrados por pequenas empreiteiras. Os sobrados, que aproveitam quase toda a área do terreno, chegando facilmente a ocupar 100% da área com calçadas, garagens, acesso a veículos e a residência, são formados pela construção de 4 ou 5 residências para cada 500 m². Alguns prédios de 2 pavimentos porque não permitida a construção além deste gabarito, também existem, como é o caso do meu prédio. Teoricamente, estes prédios utilizam 80% da área do terreno, com 10 residências. No entanto, os 20% restantes acabam virando área de acesso para os veículos, de modo que, no meu prédio apenas um jardim de 1,80 m x 2,50 m não está impermeabilizado, num terreno de 500 m². Se todo o bairro fosse formado por este tipo de edifício, teríamos um problema de impermeabilização ainda mais sério.
Mas o problema não está no prédio, e sim no gabarito de 2 andares. Seria possível agrupar as mesmas 10 residências deixando 50% do terreno livre, com uma utilização mais racional da área. As garagens poderiam continuar, como estão hoje, no subsolo. São necessários cerca de 150 m² para guardar 10 carros, tendo em vista que cada garagem ocupa cerca de 12,5 m². Estes 150 m³ poderiam ser divididos por 2 apartamentos em cada andar, totalizando 10 residências em 5 andares, com um pavimento subterrâneo para garagens. Com isto, apenas 30% do terreno seria utilizado. Um edifício de três andares, com pouco mais de 200 m² de base, poderia comportar 12 apartamentos, usando 40% do terreno.
É possível perceber que cada uma das formas de construir possui vantagens e desvantagens. Os sobrados estão mais próximos de atender a necessidade por áreas maiores. Possuem, contudo, como desvantagem o elevado grau de impermeabilização do solo. Os edifícios baixos têm como vantagem o custo por residência, que é menor por necessitar de menos obras de fundação, mas também impermeabiliza muito solo. O edifício de 5 andares tem como vantagem a menor impermeabilização do solo, mas por outro lado exige a presença de um elevador, já que o acesso aos apartamentos dos dois pavimentos mais elevados seria difícil sem elevadores. Por fim, o edifício de três pavimentos, seria possível sem elevador, impermeabilizaria menos área, e ainda por cima ofereceria uma área razoável para cada apartamento. Estou sempre considerando a possibilidade de se ter, no caso dos apartamentos, um número menor de residências, com maior área para cada um.
Uma quadra composta só de sobrados comportaria em 100 metros, considerando os dois lados da rua, 40 residências. Com prédios de 10 apartamentos seriam 200 residências. Com prédios de 12 apartamentos 240 residências. No primeiro caso, seriam 5 mil m² dos quais 4 mil estariam impermeabilizados. No segundo caso, se tivéssemos prédios de 2 andares, seriam os mesmos 4 mil m² impermeabilizados. Caso fosse prédios de 5 pavimentos, apenas 1500 m² seriam impermeabilizados. Com prédios de três pavimentos, 2000 m² seriam impermeabilizados.
Agora vou fazer outra conta, levando em conta os recursos disponíveis em cada uma destas ruas. Com 40 residências, considerando uma renda familiar mensal de 5 mil reais, teríamos um montante de 200 mil reais mensais na rua. Com edifícios de 10 apartamentos e 2 pavimentos, que possuem uma área menor, vou considerar um renda média de 2,5 mil por família. Com isso teríamos 500 mil reais mensais na rua. Para prédios de 5 pavimentos, vou considerar uma renda familiar um pouco maior, 3 mi reais, a mesma que para prédios de 3 pavimentos. Seriam no primeiro caso, 600 mil reais, e no segundo caso 720 mil reais por mês. Não é necessário dizer que o potencial comercial das ruas com menos sobrados e mais prédios, seria muito maior, por conta da maior densidade demográfica, mesmo que a renda fosse maior.
A atração de comércio para a vizinhança também tem como resultado a atração de mais empregos. Por sua vez, mais empregos atraem mais serviços para os funcionários, que acabam gerando sinergias para seus habitantes também. Ruas com mais prédios, mantendo um coeficiente máximo de impermeabilização, teria vários aspectos positivos, dos quais podemos mencionar:
• Maior potencial para comércio;
• Maior geração de postos de trabalhos;
• Menor impermeabilização de solo;
• Menor pressão por novas áreas;
• Economias de escala para o transporte coletivo;
• Menores distâncias percorridas por seus habitantes se considerada como alternativa a ocupação suburbana.
Como destaca Jane Jacobs, contudo, o ideal é utilizar o zoneamento como um instrumento para garantir a diversidade de imóveis numa rua, ou numa quadra. Assim, além de prédios residenciais, seria necessária a presença nestes quarteirões de imóveis comerciais. Contudo, uma vez estabelecida a possibilidade de maiores aproveitamentos dos terrenos, o mercado se encarregaria, como o faz normalmente, de explorar o potencial comercial existente nas ruas. O importante é assegurar que seja possível esta diversidade, e o aumento do potencial para o comércio. Tudo isto, como foi destacado, é possível de fazer melhorando as exigências ambientais destas áreas residências mistas.
Alguém pode se perguntar qual seria a eficácia deste tipo de solução para a produção da área necessária para abrigar a população crescente. Podemos projetar o potencial da seguinte forma. Em 2000, tinha-se uma média baixa de residências em Curitiba, cerca de 12,45/He. A densidade de habitantes por domicílio era de 2,93hab/dom. Este valor significou uma redução de 13% na densidade média de 1991, que era de 3,33 hab/dom. Imaginando que a densidade de pessoas por domicílio diminui ao longo da década de 2000 no mesmo ritmo da década de 1990, poderíamos estimar em 2,57 hab/dom, o que resultaria num total de 708 mil domicílios em 2008, aproximadamente 16 domicílios por hectare. Para efeitos de comparação, em São Paulo a densidade era de 20 dom/He, com uma média de 3,44hab/dom. Isto indica padrões melhores de habitação aqui em Curitiba do que lá em São Paulo. De certa forma, é uma tendência mundial a redução do número de pessoas por domicílio. No caso de países desenvolvidos, chega-se a um valor próximo a 1,8 habitantes por domicílios, o que indica famílias pequenas, onde dificilmente há mais de 1 filho, e elevado número de pessoas solteiras.
Isto nos leva a pensar que mesmo depois que a população da cidade se estabilizar, a cidade, isto é, os edifícios, casas, garagens e ruas, tenderão a continuar crescendo, sobretudo se a atual tendência em direção a baixas densidades continuar. Com isso, os problemas causados pelo espalhamento, sobretudo os problemas ambientais e de transporte, que hoje em dia são um só problema, continuarama aumentar mesmo num cenário de crescimento populacional zero. Portanto, muito trabalho há ainda por ser feito.

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