O Federalismo e o Brasil
O FEDERALISMO E O BRASIL
Por Fernando R. F. de Lima.
O federalismo deve ser compreendido como uma tecnologia de gestão administrativa de países. Quando se aceita o federalismo como um instrumento de gestão, entendem-se que em unidades nacionais complexas, a divisão do poder em unidades geográficas menores que a nação favorece o exercício mais justo e eficiente do poder. Em economia é consenso que a centralização e o aumento da escala de produção, por exemplo, resulta em economias de escala apenas até certo limite, que depende das características da produção de uma empresa. A partir de determinado tamanho, o aumento nas economias de escola deixa de compensar o aumento da complexidade administrativa, o que leva as empresas a escolhem descentralizar a produção em unidades menores.
Na gestão de um Estado Nacional, o mesmo princípio das economias de escala se aplica. Sabe-se, por exemplo, que é mais fácil e mais econômico gerir a política monetária em escala nacional, ou até mesmo multinacional como é o caso da União Européia, do que localmente. As possibilidades de fraudes e instabilidades macroeconômicas seriam muito maiores se cada estado gerisse individualmente a moeda, e se cada unidade da federação tivesse seu próprio banco central. No caso da gestão monetária, portanto, a centralização administrativa gera ganhos de escala e de eficiência, o que permite que a centralização seja melhor que a descentralização.
Há outras questões, porém, em que a descentralização favorece os ganhos de eficiência, o que acontece, por exemplo, no caso da pavimentação urbana. É mais fácil para gerir a colocação de asfalto e calçamento, assim como a sinalização de trânsito no nível local do que fazendo isso a partir de um órgão centralizado como o banco central. Um órgão nacional para gerir a pavimentação urbana certamente causaria muito mais confusão e desperdício de dinheiro, e demandaria uma fiscalização tão complexa dos procedimentos burocráticos, que se gastaria mais com as atividades meio que com a atividade fim, pavimentar as cidades.
A adoção do Federalismo pressupõe que as atividades de gestão e planejamento devem ser divididas segundo competências entre os diversos entes quem compõem uma federação, porque esta é uma forma de melhorar o uso dos recursos públicos e de facilitar a cobrança dos cidadãos pelos serviços de que necessitam. Quanto mas imediato for o serviço prestado, mais próxima do cidadão deve estar a competência por sua gestão. Além de tornar diversas atividades consideradas públicas por excelência mais eficientes, o federalismo também permite o respeito pelas diferenças culturais, sociais e econômicas dentro de um mesmo país. Também permite que experiências novas de administração sejam realizadas pontualmente antes de se disseminar como exemplos de sucesso por todo o país.
O FEDERALISMO NO BRASIL
Formalmente, o Brasil é uma República Federativa, composta por 26 estados, um Distrito Federal e, particularidade nossa, mais de 5500 municípios. Contudo, as competências entre as esferas administrativas encontram-se muito mal distribuídas, com um enfraquecimento das unidades federativas menores em favorecimento da União. Hoje, podemos dizer que o Brasil caminha a passos largos em direção a um Estado Unitário, onde o poder encontra-se dividido em apenas duas esferas: uma central, onde são tomadas quase todas as decisões econômicas e jurídicas, e uma local, na qual são aplicadas as medidas elaboradas pela União.
É notável no Brasil o enfraquecimento do poder dos Estados e Municípios em detrimento do poder da União. Do ponto de vista judicial, por exemplo, as cortes locais e estaduais tem muito pouco poder se pensarmos que há inúmeros casos aos quais é possível recorrer aos níveis superiores de justiça. Os Estados também pouca ou nenhuma autonomia hoje em questões ambientais, de trânsito, de saúde pública, educação pública e políticas de obras e investimentos. Somente algumas poucas UF mais poderosos tem recursos suficientes para aplicar nestas questões sem depender do aval da União, e ainda assim devem seguir leis federais sobre como gastar o dinheiro por elas arrecadado.
Os municípios, que a princípio foram fortalecidos depois da constituição de 1988, com seu reconhecimento enquanto entes federativos, tornaram-se, na prática, meros executores de políticas do governo federal. Prefeituras de oposição ao governo federal vêem-se reduzidas ao dinheiro disponibilizado pelo Fundo de Participação dos Municípios a aos parcos recursos que podem arrecadar em seus territórios (basicamente o ISS e os impostos territoriais e de transferência de bens imobiliários). Ainda assim, vêem-se obrigados a seguir as determinações federais quanto ao número mínimo de vereadores, composição de gastos públicos além de responderem pela prestação de serviços de saúde, educação e transporte de estudantes e doentes.
O retrato dos 22 anos após a constituinte de 1988 é de centralização administrativa e de enfraquecimento das unidades federativas menores e mais fracas. Diante disso, apesar de formalmente federalistas, estamos caminhando cada vez mais rápido na direção de um Estado Unitário.
DIAGNÓSTICO DO PROBLEMA É O PRIMEIRO PASSO PARA O ENCAMINHAMENTO DE SOLUÇÕES
O problema do federalismo brasileiro, portanto, reside num balanço de poder que enfraqueceu as unidades administrativas intermediárias, ou seja, os Estados, em detrimento dos municípios, que por sua grande heterogeneidade, acabaram reféns do da União, que pela própria definição é centralizadora. Um federalismo verdadeiro, em minha opinião, só é possível a partir do fortalecimento das unidades intermediárias de governo, incluindo nesta conta além dos Estados, as grandes regiões metropolitanas, que concentram população e riquezas suficientes para justificar seu autogoverno em diversas questões. A solução ideal para o Brasil, portanto, não seria apenas em uma direção, ou seja, em direção a simples descentralização do poder; para resolver nossos graves problemas urbanos, por exemplo, alguma concentração de poder seria necessária também.
Deste modo, eu imagino que o federalismo só será fortalecido no Brasil quando pudermos dar mais autonomia para os Estados em diversas questões, reduzindo o papel da União por um lado, e o poder de veto dos municípios por outro lado. Para exemplificar, imagino que o código civil, que regula questões como casamentos, heranças, e até mesmo gestão de condomínios, deveria ser estadualizado, permitindo que cada estado pensasse suas próprias leis civis, adequando-as aos costumes e necessidades regionais. Já questões como gestão do lixo urbano, que hoje são de responsabilidade municipal, poderiam ser centralizadas por órgãos de competência estadual, especialmente nas Regiões Metropolitanas. Esta questão também poderia ser resolvida dando mais autonomia nestas questões para os consórcios de municípios, que também atuariam no saneamento básico e transportes urbanos e interurbanos.
Questões ambientais, por outro lado, deveriam ser de competência estadual, apesar de seguirem diretrizes comuns para todo o país em algumas questões, já que há diferenças regionais muito grandes no diz respeito aos biomas. Obviamente, a realização destas medidas depende, em grande medida, de uma mudança muito profunda na repartição dos recursos arrecadados via impostos. Aos Estados e Municípios deveria caber a maior parte dos recursos arrecadados, já que são estas as esferas de governo mais próximas dos cidadãos e, por isso mesmo, mais capazes de atender suas reivindicações. Uma reforma política e eleitoral também seria necessária, permitindo a criação de novos arranjos políticos para pode atender de forma eficiente as instâncias mais locais de governo, o que seria possível com a transferência para o nível estadual da responsabilidade pela subdivisão territorial infra-estadual, acabando com o atual arranjo federativo tripartite.
Estas propostas e soluções, contudo, ainda devem ser mais bem discutidas, e merecem uma análise atenta para evitar cair em centralizações desnecessárias e em generalizações simplistas. Contudo, acredito que o princípio norteador da adoção do federalismo deva ser sempre o balanço entre a eficiência administrativa e o controle dos cidadãos sobre as decisões da máquina pública. Estes são os dois princípios que tornaram o federalismo um sucesso nos países onde foi adotado de fato, como é o caso dos EUA e da Alemanha. Sua implantação distorcida, por outro lado, é a causa das maiores dificuldades administrativas vividas pelo Brasil, que favoreceu a centralização desmedida do poder. Sua conseqüência foi aumento exponencial da ineficiência do Estado e da corrupção na política.
Fernando R. F. de Lima.
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Comentários
Parabéns por mais um texto rico, como tem sido praxe neste blog.
Dentre tantos, destaco este trecho:
"A solução ideal para o Brasil, portanto, não seria apenas em uma direção, ou seja, em direção a simples descentralização do poder; para resolver nossos graves problemas urbanos, por exemplo, alguma concentração de poder seria necessária também."
O que desagradará, como prevejo, aqueles que confundem o federalismo com uma visão autonomista simplória que deriva de um anti-estatismo obscurantista.
Como bem observaste, o equilíbrio entre eficiência administrativa e liberdade civil se faz necessário.