CARNAVAIS, MALANDROS E HERÓIS


Por Fernando R. F. de Lima. (20 de janeiro de 2010)

Lendo Roberto DaMatta, mais especificamente Carnavais, Malandros e Heróis (5ª edição, editora Guanabara, 1990), a gente pode ter uma idéia e uma compreensão melhor do porquê o Brasil é o que é e como é. Mas ao invés de entrar nesta questão, vou fazer algumas voltas antes de entrar no assunto do livro especificamente.
Primeiramente, o livro de Roberto DaMatta não é o tipo de livro que desperta o interesse e o gosto dos liberais-conservadores brasileiros. Primeiro, porque ele é um livro que usa de instrumentais, bibliografia e conceitos que muitas vezes soam como agressivos aos ouvidos afinados pelo discurso liberal, conservador e capitalista. A idéia de exploração do trabalhador, por exemplo, permeia todos os capítulos. O pobre, além de preto, é um explorado pelo sistema formado pelas elites brasileiras. E nossa sociedade democrática, igualitária, é vista por suas hierarquias internas. Portanto, do princípio ao fim, Carnavais, Malandros e Heróis parece ser um livro que se enquadra dentro das visões de esquerda do país, sendo por esta mesma razão detestável para muitos dos que se consideram direita no país.
Sobre o conceito e a idéia de exploração, me pergunto, hoje, em 2010, se DaMatta mantém sua visão sobre esta idéia. É difícil concordar com a noção de exploração quando pensamos num mercado de trabalho tão regulado como o brasileiro, me referindo aqui, é claro, ao mercado formal. Mas há o mercado informal de trabalho, onde estão situados os nossos párias, desassistidos completamente pelo estado de quaisquer garantias constitucionais. Mas neste caso, o que exploram esta mão de obra semi-qualificada não são os grandes burgueses, mas os pequenos empresários e empreendedores que vivem, igualmente, às margens do sistema brasileiro, e por isso mesmo não podem ser chamados de elite.
Contudo, há outros pontos importantes no livro. DaMatta é muito melhor que o uso do conceito de “exploração do trabalho” faz crer. Ele avança numa antropologia/sociologia do Brasil, e faz uma espécie de estudo de psicologia social. Ele procura explicar porque nós brasileiros, quando “indivíduos”, somos nada, ninguém, mas nos transformamos em algo relevante quando nos tornamos “pessoas”. O uso desta diferenciação, novamente, causa estranheza aos meus ouvidos afinados pelo liberalismo anglo-saxão, mas é significativo demais da nossa realidade para ser descartado como explicação.
“No Brasil, parece que deixamos as instituições totais para áreas mínimas do sistema social. É como se houvesse um preconceito contra os grupos preocupados em definir suas fronteiras externas e internas por meio de uma ética forte. Tais grupos, como a Igreja e as Forças Armadas, são, tudo parece indicar, os únicos que – no Brasil – atuam em escala nacional como verdadeiras instituições totais.” (DaMatta,1990, p. 111)
Isso ajuda a compreender porque no Brasil, o país do jeitinho, das pessoas ilustres, é tão difícil ver pessoas que se posicionam de modo ideologicamente consistente, sendo coerentes em suas ações com seu discurso. O liberalismo anglo-saxão, por ser impessoal, por se basear na fria ética das leis e do Estado de Direito, é visto como antidemocrático. DaMatta, no mesmo parágrafo, prossegue dizendo que:
“As outras [instituições], se têm uma ética forte e preocupação com a definição de fronteiras, são julgadas como instituições ou agremiações antipopulares ou antidemocráticas. A própria noção de democracia, no Brasil, tende a confundir-se com uma posição de bloquear o fechamento de agremiações sociais, o que impede a formação de grupos de interesse politicamente representativos e, conseqüentemente, politicamente poderosos. Estamos seguros de que é essa estruturação bipartida, de tipo cometa, capaz de juntar a casa (o núcleo) com a rua (a periferia, os outros), que jaz na raiz de movimentos como o populismo político, espécie de Carnaval do poder, onde tudo e nada ficam simultaneamente representados e, aparentemente, resolvidos.” (DaMatta, 1990, p. 111)
Esta explicação nos faz pensar, por exemplo, em porque os partidos políticos no Brasil não conseguem fugir de certo autoritarismo interno, que torna a filiação a estes agrupamentos extremamente desagradável para aqueles que não são carreiristas profissionais. O PT, o PSDB e o DEM são agremiações políticas relativamente recentes em nossa história, que se formaram buscando uma estrutura moderna. Contudo, os candidatos destes partidos (no caso do DEM a ausência de um candidato) não são definidos por meio de eleições internas realizadas por seus afiliados. Ao contrário, são costuradas por meio de acordos, favores, trocas e relações por demais pessoais para serem compreendidas e aceitas por um cidadão de classe média que, alheio ao jogo da política, deseje se afiliar a um destes partidos por afinidade ideológica.
Dilma, virtual candidata do PT não foi escolhida pelos mais de 1 milhão de afiliados do partido, mas por Lula. E Serra não foi escolhido pelos membros dos PSDB, mas será indicado por meio da burocracia interna do partido. Disputas prévias, como a que assistimos pela televisão nos EUA são inimagináveis para nós brasileiros. Isto ocorre porque aqui no Brasil o partido político é como um time de futebol, com sócios e torcida, e como DaMatta explica, a meio caminho entre o fechamento e a abertura. Isto, segundo o autor, é o que explica o impedimento de formar no Brasil instituições que sejam realmente representativas.
O livro de DaMatta não se resume a este fato e a este parágrafo do segundo capítulo que eu destaquei aqui nesta quase resenha de seu livro. Ele vai além na compreensão de muitos outros pontos, alguns extremamente interessantes, como a explicação da estrutura interna do carnaval (capítulo II) e comparação do “nosso” carnaval com o carnival de Nova Orleans nos EUA (capítulo III). Também aborda no capítulo IV a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil, que certamente é o mais famoso e mais lido nos cursos de sociologia Brasil afora.
Finalizando, é interessante destacar que as questões abordadas por DaMatta, nesta Sociologia que está mais próxima da antropologia já foi de certa forma testada por meio de pesquisas de opinião, por aquela sociologia que se encontra mais próxima da escola americana. Menos teórica, mas igualmente reveladora, é interessante ver como os questionários tentaram captar as questões postas pelo autor neste e em outros livros sobre o Brasil. Para isso, é indispensável a leitura do livro “A cabeça do brasileiro” de Carlos Almeida, para ver que boa parte do Brasil ainda é o hierarquizada e autoritária como descreve DaMatta. Ressalto, porém, que a leitura do livro deste livro nos permite compreender os erros da “comunidade liberal virtual brasileira”, que antes mesmo de se constituir como um grupo político representativo, já se redividiu em pequenos grupos semi-fechados (ou semi-abertos) onde todos são iguais, mas, parodiando o Orwell, “uns são mais iguais que os outros”.

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