SECA NO SUDESTE: QUANDO O AZAR ENCONTRA A INCOMPETÊNCIA

Por Fernando R. F. de Lima.
           A cada dia que passa a situação no sudeste, especialmente na Cidade de São Paulo, vai ficando mais dramática. Agora, quando se cogita o racionamento, visualiza-se um cenário no qual, pela primeira vez, as casas ficarão desabastecidas durante três, quatro ou cinco dias, e receberam água menos vezes do que o período em que permanecerão sem. Uma verdadeira mudança cultural irá se impor sobre os paulistanos se quiserem sobreviver ao próximo inverno.
            A população de todo o país começa a se perguntar quem são os culpados. No fundo, um tanto da responsabilidade pela coisa toda é culpa apenas do azar mesmo. O sudeste está há dois anos com chuvas abaixo da normal climática. O verão de 2013/2014 foi atipicamente seco e o de 2014/2015 também está sendo. O inverno nesta região nunca foi generoso em chuvas. Outro fator que contribui para o cenário negativo são as temperaturas acima da média: o calor, além de elevar o consumo de água e eletricidade, favorece uma maior evaporação superficial e também a evapotranspiração das plantas.
            Para completar o cenário, baixos investimentos no setor elétrico, atrasos em obras, a desestruturação do setor canavieiro e a enorme dependência do setor hidroelétrico fizeram com que o nível dos reservatórios caíssem assustadoramente. O problema da seca atualmente não é apenas faltar água na torneira, mas faltar água e energia. O país está mais perto do que nunca que um verdadeiro apagão em dois serviços públicos essenciais.
            Para ilustrar a situação, atualmente o cenário já é caótico. No caso do reservatório da Cantareira, que possui capacidade de armazenamento de 982,07 milhões de m³, seu nível hoje (02/02/2015) era de apenas 5%, ou seja, 49,10 milhões de m³, pouco mais de 2 metros cúbicos para cada um dos habitantes da Grande São Paulo. Obviamente, o sistema não é só o Cantareira. O Alto Tietê apresentava uma capacidade de 573,8 milhões de m³, dos quais restam 11% (63,11 milhões de m³). O Guarapiranga armazena 47,9% de sua capacidade (82 milhões de m³); Alto Cotia (4,62 milhões de m³), Rio Grande (84,15 milhões de m³) e Rio Claro (4 milhões m³). Atualmente, portanto, são 286,98 milhões de m³ para abastecer cerca de 19 a milhões de pessoas durante os próximos meses. Hoje, há mais ou menos 15 m³ armazenados nas represas para cada paulistano. O consumo médio é de 3m³ por pessoa. Isto é, há água armazenada para cerca de cinco meses. Em fevereiro, a previsão é que chova menos do que choveu em janeiro. Por sua vez, talvez em março as represas ganhem um pouco de volume.
            De abril até outubro, porém, serão sete meses para se viver com água suficiente para o consumo de cinco meses. Sem contar que, caso as represas sequem completamente, o caos completo seria instalado. A rede de água, sem água na rede, seria virtualmente inutilizada. O consumo médio de cada pessoa deveria ser reduzido a cerca de 1/3 do atual, e ainda assim estas pessoas deveriam torcer para que o próximo verão seja chuvoso.
                A incompetência que comentei no início do texto foi na condução da crise: faltou e talvez continue faltando comunicação clara às pessoas do risco que elas estão vivendo. A situação é dramática. São Paulo é muito grande. O Brasil é muito lento para tomar medidas emergenciais. E o risco de desabastecimento é grande. São se trata de um déficit possível de 15 dias, cuja aposta já seria arriscada, mas viável. Trata-se de uma aposta de 60 dias. Por isso o racionamento já vem tarde. Além disso, caso o próximo verão seja tão seco quanto o atual, a situação continuará dramática, porque as represas partirão de um nível já crítico para enfrentar outro período de seca. Posso parecer pessimista, mas há exemplos de secas persistentes no passado.
            Na Califórnia, entre 1976 e 1977, chuvas muito abaixo da média, que já é bem mais baixa que as do sudeste brasileiro, foram registradas. Muita coisa mudou. Desde o sistema elétrico até aspectos da cultura urbana (a disseminação do skate, por exemplo, praticado nas piscinas abandonadas). Novamente nos anos 1980, entre 1985-1991, houve cinco longos anos de estiagem. Mas os californianos eram muito mais ricos que os paulistas, e muito mais eficientes em conduzir grandes obras públicas para modificar cursos de rios, captar água a longas distâncias e a grandes profundidades e distribuí-las nas torneiras.
            Talvez São Paulo supere o pior cenário com sorte. Talvez com competência. Sorte é algo que até agora faltou, assim como a competência. Mas acredito que o choque de realidade, o medo do caos, e a proximidade do abismo talvez tragam a mudança necessária. O povo precisa acordar, mas seus líderes devem despertá-los. Chega de confiar na sorte.


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