PIKETTY E A DESIGUALDE DE RENDA.
Por Fernando R. Ferro
Este texto será dividido em três momentos:
numa primeira parte, vou fazer uma breve recapitulação sobre o conceito de
renda, patrimônio e desigualdade; na sequencia, vou contextualizar brevemente
as ideias veiculadas na imprensa do autor francês sobre a desigualdade e suas
implicações e por fim comentar suas opiniões a respeito da desigualdade no
Brasil.
Eu, recebendo meus rendimentos do Blog. |
De acordo com o clássico autor Ludwig Von
Mises, podemos definir renda como o “juro” pago por um dos fatores de produção.
Explico. A renda do Capital é o juro; a renda do trabalho é o salário e a renda
da terra (ou imóvel) é o aluguel. Assim, a renda é benefício advindo do uso de
um fator de produção, sendo que os três fatores clássicos são capital, terra e
trabalho. A desigualdade da renda do trabalho depende do tipo de trabalho; um médico recebe mais por
seu trabalho que um lixeiro; um engenheiro recebe mais que um padeiro;
normalmente a renda do trabalho está associada ao grau de especialização do
trabalhador e nas habilidades requeridas para desenvolver aquele trabalho, mas
não necessariamente. No fundo, a renda do trabalho é definida pela oferta e
pela procura por aquele tipo específico de trabalhador.
No caso da terra, podemos definir dois tipos
básicos de rendimento: o primeiro deriva da localização: terras melhor
localizadas, mais próximas de um mercado, tendem a ser mais valorizadas pelos
produtores, e com isso rendem um retorno maior para seus proprietários, porque
são mais desejadas pelos produtores. Estas terras, mais cobiçadas, fazem com
que os produtores tenham menores custos de transporte, e que estejam mais
próximos dos consumidores. A lógica vale tanto para imóveis rurais quanto
urbanos, sendo que no caso dos urbanos é mais importante estar próximo dos
consumidores. A segunda, é a característica da produtividade da terra, no caso
dos imóveis rurais, que depende de fatores como água, solo, clima, relevo, que
tendem a tornar a terra mais produtiva e aumentar sua produtividade,
compensando a distância do mercado. No caso de imóveis urbanos, estes fatores
seriam, por exemplo, conveniências, como estacionamento, espaço amplo, e outras
amenidades para o locatário ou seu consumidor que compensassem os deslocamento.
Por fim, há o rendimento do capital. O capital é o fator de produção mais
difícil de compreender, porque do ponto de vista clássico ele pode ser tanto
dinheiro quanto uma máquina ou ferramenta. Imaginemos o capital como dinheiro:
aplicado em títulos do tesouro direto ele irá render juros equivalentes a taxa
Selic menos o IR. Mas há formas mais lucrativas de aplicar capital.
Um marceneiro pode, por exemplo, aplicar seu
capital num conjunto de ferramentas e, em conjunto com seu trabalho, ganhar
muito mais que o juro pago pelo Governo. Outra pessoa poderia investir seu
capital num automóvel e, junto com seu trabalho, ganhar muito mais que o juro
do governo trabalhando como entregador de flores. Um terceiro poderia investir
seu capital na compra de vestidos de noiva e ganhar muito mais que os juros que
o dinheiro renderia alugando para moças que desejam casar sem comprar um
vestido novo.
A renda gerada pelo capital, pela terra ou
pelo trabalho permite que a pessoa viva sem destruir seu patrimônio. Quando ela
diminui seu capital, sua propriedade ou sua própria saúde, dizemos que está
ocorrendo consumo de capital e isso significa que sua atividade não está sendo
suficientemente lucrativa. A pessoa só enriquece efetivamente se ela consegue
aumentar seu patrimônio, isto é, sua quantidade de terra e capital ao longo da
vida, visto é que impossível adquirir outro corpo para aumentar sua capacidade
de trabalhar, apesar de ser possível adquirir novas habilidades e conseguir um
trabalho mais produtivo, com um rendimento mais alto.
O patrimônio adquirido ao longo da vida de
uma pessoa é o que chamamos de riqueza. Ele é passado de geração em geração.
Algumas gerações são mais pródigas que outras, consumido rapidamente o
patrimônio duramente adquirido por seus antepassados. Outras são extremamente
competentes em amealhar patrimônio, deixando uma rica herança para seus filhos.
Obviamente, alguns são favorecidos por eventos externos, por prejudicados por
eles. Uma guerra, por exemplo, pode destruir tudo que uma família levou séculos
para construir. A descoberta de um novo continente, por outro lado, pode fazer
com que camponeses pobres tornem-se ricos latifundiários. As coisas dependem um
pouco da sorte, um pouco do trabalho, mas quando se fala de riqueza
patrimonial, normalmente as fortunas são construídas ao longo de muitas
gerações.
Em relação a Piketty, o autor francês
confunde em sua fala, não sei se por maldade, ignorância ou erro de tradução, a
desigualdade de renda com a de riqueza e além disso diz que pela falta de
transparência nas informações sobre renda, a desigualdade deve ser maior que a
aferida pelas pesquisas oficiais aqui no Brasil. Ao contrário de Piketty, eu
acho que a desigualdade de renda, justamente pela falta de transparência das
informações, é na verdade menor do que a aferida pelas pesquisas. Isso porque,
normalmente, as pessoas mentem quanto a renda. E mentem para menos. De modo que
o número de pessoas ricas acaba subestimado. Oras, se os ricos estão
subestimados, a desigualdade é menor, e não maior, que a estimada.
Mas mais que isso, devemos separar em sua
argumentação em duas partes. A desigualdade de riqueza não é algo que possa ser
resolvido com políticas de transferência de dinheiro, como é o caso do Bolsa
família. Digo transferência de dinheiro, porque o Bolsa Família, efetivamente,
não transfere renda, mas dinheiro, para as pessoas (lembrem-se do conceito de
renda do começo do texto).
Em relação a riqueza, podemos ver claramente,
quando olhamos a orla de cidades como Camboriú e Itapema, com apartamentos que
facilmente superam os sete dígitos, temos a certeza de que há muitos
milionários. E mais: quantos
apartamentos de mais de R$ 1 milhão existem em Florianópolis? E em Curitiba? E
em São Paulo? Rio de Janeiro? Brasília? Cá entre nós, para cada apartamento
deste, há um dono milionário também em termos de patrimônio. E não são os
mesmos os donos de todos estes apartamentos. Assim sendo, mesmo que os donos
destes apartamentos não sejam todos eles donos de rendimentos milionários, são
pessoas que conseguiram, ao longo da vida ou de gerações, amealhar patrimônios
que hoje ultrapassam os 7 dígitos.
Obviamente, alguns ganharam com a
valorização, mas muitos imóveis deste patamar continuam sendo comprados e
vendidos todos os anos. Assim, muito mais ricos existem do que as pesquisas do
IBGE conseguem captar, e a desigualdade deve ser muito menor, no final das
contas, do que parece. Por mais que a desigualdade de renda continue grande,
estas pessoas possuem um patrimônio que lhes permite desfrutar de uma boa vida.
Assim não teriam uma renda que as coloque entre o 1% mais rico da população,
mas certamente um patrimônio que lhes permitiria viver por um ou duas gerações
muito bem, caso o convertessem em algo que rendesse juros de capital.
![]() |
Piketty |
Um imposto elevado sobre heranças poderia
estimular estas pessoas aplicar este capital de forma mais produtiva, é verdade.
Esta é argumentação de Piketty. No entanto, dados os desestímulos existentes à
atividade produtiva no Brasil, é possível que isso fizesse com que estas
pessoas acabassem investindo seu patrimônio em outros países mais seguros.
A lição toda da história é que é muito
difícil captar a desigualdade de renda quando se quer, no fundo, medir a
diferença entre ricos e pobres. Porque a pobreza é bem dimensionada. A
insuficiência de renda geralmente resulta em ausência de patrimônio. No
entanto, um vasto patrimônio pode não gerar uma grande renda, e mesmo assim
garantir uma vida confortável. A pessoa, pelo conceito do rendimento,
continuaria sendo pobre, ou de classe média baixa, mas seria dotada de um vasto
patrimônio, que a permitiria ser
confundida com algum dotado de elevado rendimento anual.
links:
http://inter-ceptor.blogspot.com.br/2014/12/bicho-papao-confesso-que-fiquei.html#comment-form
Comentários