REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO: PREDAM O BOM SELVAGEM!

Por Fernando R. F. de Lima.

Aqui no meu prédio tem um vento forte vindo do leste, onde fica a Serra do Mar. Um lado do meu apartamento fica virado para o leste e do outro para o oeste. Aqui em Curitiba é sempre assim: à noite o vento sopra da serra para a cidade, e de dia da cidade para a Serra. O vento sopra para a serra pedalar em direção as montanhas no domingo de manhã, o que torna uma delícia pedalar naquela direção. Já na volta...
Isto ocorre por causa da diferença de temperatura. É como a brisa no mar: de madrugada ela vai da terra, que está mais fria, para o mar, que está mais quente. De dia, principalmente à tarde, ela vai do mar para a terra, porque a terra está mais quente. O ar mais quente tem menos pressão o que leva o ar frio a se deslocar para estabilizar a diferença causada pela temperatura. É como o princípio dos vasos comunicantes. Só que o movimento nunca para, por causa da sucessão dos dias e noites. O clima do planeta inteiro funciona assim: o ar vai compensando a pressão de um lado para o outro, fazendo a atmosfera se mexer e o ar ir de um lugar ao outro. Em certos lugares é mais fácil de perceber este movimento. Onde eu moro é um deles.
Estas questões básicas de geografia eu entendo. Quem não entendia eram meus alunos de 11 anos. Acho bobagem ensinar uma coisa destas para uma criança que mal sabe ler. Era mais fácil passar uma historinha sobre o pescador e a jangada, fazê-los ler, interpretar, desenhar, fazer um teatrinho, reescrever a história usando os mesmos elementos, responder algumas questões sobre o tema, do que ensinar isto para eles. Não sei se mais fácil seria a palavra, mas seria mais útil para o aluno. Por isso eu disse que acho a geografia inútil nas escolas. O governo francês, ao que tudo indica, irá banir a geografia e a história de seus currículos escolares, e eu acho que eles fazem bem.
A geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra, já dizia o célebre título do livro de Yves Lacoste. A geografia é um bom meio de divulgar ideologias e arregimentar militantes, sobretudo se as ideologias a veicular forem nacionalistas ou socialistas. É pra isto, normalmente, que a história e a geografia têm sido utilizadas incluindo suas "filhas", como a geopolítica. A pessoa passa 12 anos na escola aprendendo geografia e depois não sabe por que os apartamentos com face norte são mais caros no hemisfério sul. Não aprende a ler um mapa, fazer um croqui, dar pontos de referência. Nem o que significam as estrelas, ou melhor, como se pode atribuir a elas significados para fins de orientação. A parte utilitária da geografia é completamente desprezada na escola. Utilitária para o dia a dia, deixo claro, porque a ciência geográfica (se é que isto existe), poderia ser e é utilizada em vários campos, como o planejamento urbano, tomada de decisões empresariais, formulação de políticas e estratégias de crescimento econômico, além do já menos geográfico e mais geotécnico mapeamento
Diante dessa longa introdução, ressalto que a gente precisa de uma revolução de conceitos na educação. Uma mudança completa de trajetória o caminho que as escolas têm trilhado no Brasil. O modelo atual não funciona. Abaixo os pedagogos. A gente só aprende por meio de treino e com as crianças não é diferente. É um fato: as crianças, para aprender a ler, escrever e calcular devem ser treinadas. Aprendendo a ler, elas podem aprender qualquer coisa depois. Uma reportagem de O Globo, apontou que 28% da população brasileira pode ser considerada analfabeta funcional, e apenas 25% plenamente alfabetizada. Dizia que apenas 6% dos que completam a 4ª série atingem um nível pleno de alfabetização, quando o esperado deveria ser 100%. Este percentual subia para 15% entre os que completavam a 8ª série, mas 24% dos que tem este grau de estudo continuavam analfabetos funcionais. Há algo muito, muito errado mesmo com a escola hoje. O caminho que as coisas estão tomando é tenebroso. As crianças aprendem menos na escola que na rua, em casa, no cinema, etc. Até parece que esquecem coisas.
Alguém pode levantar a questão de que o problema não é apenas com a escola. Os pais e a sociedade teriam uma parcela de culpa nisto também. As crianças não demonstram interesse em aprender e os pais não fazem nada quanto a isto. Se as crianças aprendem a ler na escola, podem dizer, elas devem praticar em casa. Portanto, o gosto para leitura seria co-responsabilidade dos pais.
Contudo, eu acho que o filho de um analfabeto deveria ser alfabetizado na escola. Mesmo que seu pai não saiba ler, seria dever de a escola ensinar o filho para poder romper com este círculo de analfabetismo. A escola sabia fazer isto no passado. Hoje ela não sabe. Nem mesmo crianças que vêm de famílias alfabetizadas há três ou quatro gerações são adequadamente alfabetizadas. O problema maior está na escola. A escola é um marco da civilização. O povo vai à escola para ser civilizado, para receber as luzes. Este é o papel civilizador que a escola tinha na idade média. E hoje? O povo vai à escola e volta igual. Aprende as letras de forma tão rudimentar, que poucos anos depois perde a capacidade de ler e escrever frases inteiras. O que é isso?
Quando você tiver a oportunidade, vá a uma escola municipal de sua cidade e converse com uma professorinha. Pergunte para ela quantos e quais livros ela leu neste ano de 2009, sem contar os didáticos. Se ela disser cinco, esta é uma escola e uma professora de primeiro mundo. Pergunte depois à diretora qual foi o último livro que ela leu da literatura brasileira ou estrangeira? Nas escolas, os que trabalham lá, não lêem. Muitas vezes nem sabem ler direito. Não interpretariam uma receita de bolo. Eles deveriam "portar a luz", o conhecimento para poder transmiti-lo às crianças. Educação, respeito, humildade, estas são coisas que os pais devem ensinar, concordo. Mas não as letras e os números. Os pais nunca poderão ser os responsáveis pela ordem interna de uma escola, pelo respeito, pela limpeza e pelo ensino. Na minha casa, quando minha filha grita, ela é repreendida. Na escola, eu já vi, ela muitas vezes age igual as outras crianças: de forma histérica, grita, se descabela, faz beiçinho e "fica de mau", igualzinho aos professores dela.
Mas onde estará o problema? Em minha opinião o problema está na importância que ainda hoje é dada a obra Emílio de Rousseau, e principalmente as suas idéias. Ele é muito bem quisto entre "educadores". O bom selvagem habita no coração dos professores de crianças e adolescentes. A sociedade pervertida é vista como a causa do mal. Se esquecem eles que Rousseau defendeu a idéia do homem bom para ganhar fama, não por convicção intelectual. Foi por cálculo mesmo.
Rousseau surge como um crítico das artes e ciências, um anti-iluminista. Prega o bom selvagem, ganha fama e simpatia por suas idéias revolucionárias, e por sua crítica à sociedade corrupta. "O homem nasce bom e a sociedade o corrompe".
Ele critica a sociedade de privilégios, mas era ele mesmo um privilegiado. Defende educação pública para todos, com base na idéia de devoção a pátria e austeridade moral, duas coisas que ele não tinha. Defendia também um sistema de taxas sobre heranças, sendo que ele mesmo vivia por causa de um dinheiro que havia recebido. Ele era um hipócrita, um rico herdeiro, bem educado e perfeitamente integrado na sociedade que viu na "crítica" a esta sociedade um modo de melhor desfrutá-la.
A tese do iluminismo prega exatamente o contrário de Rousseau. O homem é mal, a civilização é boa. Por isso que civilité torna-se sinônimo de nobreza, e urbanidade (quer coisa mais social que uma cidade?) sinônimo de boa educação. Rousseau era um estrategista. Disse o que queriam ouvir aqueles que estavam de saco cheio do iluminismo e da fé no progresso da razão. Foi o padrinho dos românticos.
Forçando a barra, dá para dizer que os alemães foram os que mais levaram Rousseau a sério. Opuseram-se a idéia de civilization, apegaram-se ao ideal de kultur (conforme ensina Elias em “O processo civilizatório”). Valorizaram a grandeza do povo simples, humilde, austero. No fim do século XIX, esta simplicidade tornar-se-ia a grandeza da raça. Foram alguns alemães bêbados de Rousseau que naturalizaram a política; reduziram-na a disputa pelo Lebensraum, "espaço vital", que vai justificar as ambições territoriais do Estado alemão que desembocaram na Primeira Guerra Mundial. A busca do homem natural fundamenta o nacionalismo alemão. O mito da raça pura surgida na floresta negra, portanto sem contato com a civilização corrupta da Europa, o ocidente. Por fim, a naturalização da política levou ao nazismo. O ódio à civilização leva ao fascismo.
O fascismo é sempre uma forma de tornar a política pura, limpa. Conduzida por um homem natural, bom, livre da maldade, da corrupção pelo poder, ou seja, uma política conduzida pelo Lula, pelo Chávez, pelo Morales, pelo Fidel, homens que não eram como os outros. Eram mais naturais. O Chávez era um militar, mas dos bons. Revoltado contra a corrupção das forças armadas, insurgente contra a hierarquia. Morales é o índio original dos povos puros da Bolívia, sem o pecado dos espanhóis. E o Lula é o retirante pobre, rústico, sem cultura, por isso natural, sem maldade.
A próxima da lista é Dilma, sem passado, sem máculas, praticamente virgem. É a imagem que o PT quer passar dela: uma mulher que nunca disputou uma eleição, que certamente vai ser massacrada nos debates, mas despertará a simpatia do povo por sua pureza, por nunca ter sido parlamentar. Ela é a técnica, a administradora, gestora. Uma pessoa sem paixões políticas, capaz de comandar longe dos interesses egoístas, em prol do povo. O PT só vive de lendas. Por isso é um partido fascista na origem.
Estes valores, os do Emílio, estão muito presentes na nossa sociedade. Surge do horror do povo ao desconhecido, à ciência, às luzes. Rousseau traduziu este medo numa doutrina "científica", e com isso penetra lá no fundo do coração dos pedagogos, que são mais povo que cientistas. Depois, eles repassam isso para os alunos dos cursos de licenciatura (que também são povo, e por isso temem), que os repassam para as crianças. Como são nossos valores que nos fazem ler o mundo, eles contrariam a experiência do dia a dia para insistir nas bobagens pedagógicas que dizem que as crianças devem ser naturalizadas.
Menos civilização nas escolas formaria crianças mais puras, mais perfeitas, mais ingênuas, melhores. O resultado, no fundo, é que elas se tornam mais burras, e aí acreditam no fascismo, que depois sai matando professores. Por isso eu disse que nós precisamos de uma reviravolta completa nos rumos da educação. Uma volta aos eixos anteriores. Precisamos banir o bom selvagem (de preferência colocá-los na cadeia, por seus crimes contra a civilização) e terminar de civilizar o povo. Trazê-los para a luz. Por mais que a realidade seja feia de se ver. Que seja desagradável perceber que tudo que parecia bom e puro é na verdade manchado de pecado, mentiras, interesses mesquinhos. Por mais que no fundo o bom selvagem não passe do cara que quis currar o menino do MEP na prisão, de onde não deveria ter saído.

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