ESQUERDAS E DIREITAS

Por Fernando Raphael Ferro
           Neste domingo, depois da macarronada da mama, por acaso estava deitado no sofá zapeando a TV e dei de cara com o programa de Roberto D’ávilla entrevistando Cristovam Buarque na Globo News. Surpresa minha foi ver o senador do Distrito Federal defendendo o impedimento da ex-presidente em exercício Dilma Rousseff, além de várias outras teses absolutamente sensatas, sensatas até demais para um dos grandes ícones da esquerda.
            Buarque, que já foi candidato à presidência da república, disse, entre outras coisas, que estabilidade monetária sempre foi relegada a segundo plano na América Latina. Mas que estabilidade monetária é questão de honestidade, de caráter, porque inflação é roubo. Parece ser o tipo de coisa saída da boca de liberais direitistas raivosos, que espumam e esbravejam clamando pela “ROTA na rua”, mas na verdade é uma coisa tão simples, óbvia, direta, que devia já ser consenso neste país desde 1994, pelo menos.

            Outra coisa dita por Buarque foi que a esquerda deve se preocupar com duas igualdades apenas: a de oportunidades na educação, para que o pobre e o rico possam estudar em escolas de qualidade, e na saúde, para que se possa receber um tratamento médico de qualidade independente da riqueza disponível. Disse que escândalo é deixar de aproveitar um talento por não poder pagar pelo estudo, ou morrer por não poder pagar o tratamento médico.
            Para Buarque o governo Dilma acabou por conta da própria arrogância, em insistir em seus erros, em permitir que vagabundos se locupletassem às custas do povo e imaginar que poderia indefinidamente comprar o congresso com cargos. Que sacrificar a estabilidade monetária não traria prejuízos políticos e econômicos de médio e longo prazo, e em apostar que fizeram um excelente trabalho com suas políticas pífias aplicadas na educação.
            Em resumo, Cristovam disse que o PT fracassou porque perdeu o poder de se transformar e de transformar a realidade. Acredita que o momento atual, no Brasil, é de decadência, e que caminhamos para a desagregação, que pode ser preocupante. A violência é a marca desta transformação. Intervenções urgentes são necessárias. Disse, por fim, que Dilma é incapaz de fazer isso. Que talvez o fosse há 8 meses atrás, mas hoje não mais. Por isso defende o impeachment.
            Cristovam Buarque foi um bom candidato a presidente. Não votei nele na época. Hoje, diante das radicalizações existentes, talvez fosse minha escolha, caso ele aparecesse no páreo. Quem me conhece sabe que não estou a esquerda. Ao contrário. Mas suas ideias tampouco estão próximas daquilo que se convencionou chamar de esquerda no Brasil. São mais próximas da moderna esquerda europeia. Uma esquerda com a qual se pode conviver. Não gosto de radicalizações em política.
            Uma direita agressiva não serve a ninguém. Não quero militantes religiosos importunando meu direito de ser ateu, tampouco colocando conteúdo religioso no livro didático. Quero o ensino da bíblia e do alcorão longe das crianças, a menos que seus pais o façam de forma privada, em suas respectivas congregações. Escola é lugar de se ensinar leitura, idiomas, matemática, esporte, música e artes, na minha modesta opinião. Conservadores religiosos me dão arrepios quando se aproximam de crianças, ainda mais das minhas.
            Das mídias também; não acho que seria produtivo substituir a patrulha ideológica politicamente correta das esquerdas por uma patrulha conservadora religiosa; gosto das piadas de mal gosto de canais como Porta dos Fundos quando falam mal das religiões tanto quanto quando eles falam mal das feministas, dos vegetarianos, ou dos solteirões que moram sozinhos. No meu universo, não há nada sagrado a não ser a liberdade de dessacralizar tudo. O humor de péssimo gosto pode não me agradar, mas me desagrada ainda mais a censura imposta por algum funcionário enfadonho a serviço de alguma ideologia.
            Como sempre digo, a censura deve existir, mas aquela praticada por cada um de nós. Em minha casa, por exemplo, a revista Caros Amigos é censurada. Nunca passou pela porta um único exemplar. Da mesma forma canais de TV como Rede TV, ou programas como o do Ratinho. São coisas que simplesmente abomino. Nunca tive problema com este tipo de conteúdo. Não preciso de um censor pago pelo governo pra dizer a classificação indicativa dos desenhos que meus filhos assistem, nem dos filmes. O censor em minha casa sou eu.
            Conservadores religiosos querem transferir essa responsabilidade de minha alçada para a deles. Militantes do “politicamente correto” também. Sou contra ambos. Para mim, são o mesmo, apenas com o sinal trocado. Até que surja alguém à direita que represente este desejo de liberdade, rejeito liberticidas que defendam o livre-mercado mas não a livre escolha nos demais assuntos.

            Cristovam Buarque, em sua entrevista, definiu, num dado momento, bem a situação atual: disse que atualmente a política deixou de ser um espaço de convencimento e passou a ser um espaço de conversão. Passou a ser questão de fé. Isso é ruim para todos. Porque a fé leva sempre a radicalização. E extremismo é sempre inimigo da razão. Razão significa ponderar, equilibrar, equacionar. Política deve ser isso. Reconhecer, antes de tudo, que não há uma saída ou uma verdade, mas saídas, alternativas, que devem ser negociadas, até encontrar a solução ótima, que não necessariamente será a melhor dentre todas as imagináveis, mas será a melhor dentre as possíveis naquele momento. Espero que no futuro o Brasil se torne realmente um lugar melhor. E que a esquerda abandone de vez o PT e passe a olhar com mais carinho para pessoas como Cristovam Buarque, que ainda guardam lucidez e inteligência. 

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