DEMOCRACIA: O QUE É E PRA QUE SERVE
Por Fernando Raphael Ferro de Lima.
Outra
dia, numa comunidade do Facebook, um dos membros postou uma pergunta capciosa.
Qual o antônimo de Democracia? Apesar da comunidade ter como título “Escola
Austríaca de Economia”, muitos dos membros mostram uma orientação para o
anarcocapitalismo. Eu, na minha ainda não perdida mania didática, procurei na
classificação aristotélica a resposta, e indiquei que o mais correto seria
dizer que as monocracias seriam o antônimo mais correto de democracia.
Obviamente
o conceito é antigo e o uso grego do termo democracia era até mesmo diferente
do atual. A questão toda é que o membro da comunidade que postou o tópico,
disse que a resposta que ele julgava correta era “liberdade”. Ou seja, a
democracia seria o antônimo de liberdade. Evito discussões virtuais porque sei
que normalmente elas não levam a nada, mas imaginei que seria útil aos leitores
trazer para um texto minhas considerações relativas a esta opinião.
Primeiramente,
a questão da liberdade, que é tema deste blog. Afinal, o que é ser livre?
Entendemos que a liberdade é sempre algo condicionada às circunstâncias e nosso
entorno. Sendo o homem um ser social, ele nunca é completamente livre,
dependendo em maior ou menor grau dos outros membros da comunidade. A liberdade
perfeita significaria a independência máxima, que não é possível e nem mesmo desejável.
Assim a liberdade sempre assume uma característica relacional: sou livre até o
ponto em que minha liberdade não impede a dos demais. Exemplo clássico: não
posso ter a liberdade de fazer escravos numa sociedade livre, porque estaria
ferindo o direito a ser livre de outros membros.
Da mesma
forma discutem-se limites para a liberdade: a partir de quando somos livres:
desde que nascemos ou a partir de certa idade? E por aí vai. Então a liberdade
é sempre condicional, limitada pelo próprio jogo social e suas regras. Cada
sociedade decide o grau de liberdade que concede a cada indivíduo, que é
variável segundo as variações no tempo, clima e geografia. No Brasil mesmo
observamos que há certas “liberalidades” toleradas em alguns locais (andar sem
camisa, por exemplo), mas não em outros.
Agora a
questão da democracia. Democracia, atualmente entendida, é um sistema de troca
de governos por meio de eleições livres. Dada um determinado período, os
governantes são submetidos ao sufrágio universal (que também não é tão
universal assim, visto que só os cidadãos maiores de 16 anos podem votar, com
restrições ainda maiores aos que podem ser votados) para permanecer ou renovar
os mandatos no poder. Os órgãos máximos do país são assim renovados total ou
parcialmente periodicamente.
A
democracia, portanto, não é nem mesmo uma forma de governar. É apenas uma forma
de troca de governos. Um método, por assim dizer, para renovar os
representantes do povo. Isso porque a vontade popular muda ela mesma
periodicamente. Há, obviamente, várias maneiras de fazer isso. Sistemas parlamentares,
republicanos, e mesmo a forma de indicação de deputados, como a disputa
distrital pura, mista ou o sistema proporcional, conforme adotado aqui nos
tristes trópicos.
A
liberdade, portanto, é possível sob um regime democrático, assim como sob uma
teocracia. A questão que se coloca é o grau de liberdade possível e as formas
de mudança de regime. Num regime absolutista, por exemplo, sua troca exige uma
revolução. Ao povo cabe esperar a morte do monarca, na esperança de outro mais
sábio, ou então a sua retirada violenta por meio do derramamento de sangue. Na
Coréia do Norte, por exemplo, já é a terceira geração de tiranos insanos que se
perpetua no poder. Na Coreia do Sul, muitos governos ruins já foram
defenestrados, e outros bons permaneceram no poder, por causa da sucessão. Isso
que a Coreia do Sul é uma democracia plena há pouco mais de 30 anos.
Um mundo
sem governo, na visão utópica de Rousseau, seria um mundo melhor. Alguns
anarquistas partilham desta visão também. Que o homem poderia viver de forma
comunitária, com as pessoas se autorregulando de forma independente e feliz. Os
anarcocapitalistas acreditam que o mercado seria capaz de conferir a
estabilidade dinâmica necessária ao bem estar social.
Particularmente
falando, minha visão do ser humano é mais hobbesiana. Homo homini lupus. Cabe ao Estado vigiar o lobo e garantir a paz
armada. E aos homens cabe o papel de vigiar o Estado. Um mundo sem Estado voltaria
ao estado de natureza, a guerra de todos contra todos. Fatalmente novas formas
de organização estatal surgiriam. A autorregulação seria substituída por regulações
universais. Isso é fruto da crença de que o Estado é o resultado empírico da
experimentação humana ao longo dos últimos 30 ou 40 séculos de construção da
civilização. Não chegamos até aqui ao acaso.
Assim,
democracia não é o antônimo de liberdade. É apenas um meio pelo qual o custo de
substituir um governo que tenta suprimir nossa liberdade relativa fica menor em
termos de vidas humanas. Liberdade também não é um direito. É um conquista,
árdua, pela qual lutamos dia a dia. E as instituições democráticas são meios
pelos quais garantimos a liberdade que nos resta, e tentamos ampliar outras que
ainda não foram conquistadas.
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