FILANTROPIA vs. PILANTROPIA – A DIFERENÇA ENTRE ALHOS E BUGALHOS

Por Fernando Raphael Ferro.
Quando entro em uma discussão sobre o papel do Estado no combate à pobreza quase sempre sou obrigado a ouvir o velho mantra de que os liberais não se importam com os pobres. Ou como dizem, que o discurso neoliberal é voltado apenas para a geração de riqueza e não para sua distribuição. No caso, nem mesmo que refiro aos velhos (e novos) comunistas, porque estes são um tronco em extinção entre os animais políticos, mas no filão que é o que mais cresce e se desenvolve, o dos socialdemocratas, incluindo todos os matizes, a percepção é a mesma.
A sedução do discurso socialdemocrata se dá porque ele incorpora elementos do liberalismo (crescimento econômico, liberdade de empresa) com a bandeira socialista da distribuição de renda. Caberia ao Estado distribuir a riqueza, porque o mercado, apesar de eficiente em gerar riqueza, apresentaria falhas em sua distribuição. No fundo, para um socialdemocrata, o papel do Estado é organizar a filantropia em escala industrial.
No entanto, filantropia organizada com dinheiro tomado a força e realizada por agentes políticos acaba adquirindo outras cores: chama-se pilantropia, porque os agentes que distribuem acabam favorecendo, primeiramente, a si próprios. Além disso, depois de pouco tempo de início de trabalho desta máquina, a quantia que ela gasta para se manter é maior que a quantia distribuída.
Mais ou menos como ocorre com o crime: o custo de se combater o crime é maior do que o prejuízo causado pelos crimes cometidos. Mas neste caso, tem-se uma justificativa moral, que é evitar o caos generalizado da guerra de todos contra todos. Na filantropia estatal, não há uma justificativa para gastar mais com a máquina que com os beneficiados por ela.
Isso não significa, obviamente, que o liberalismo é contra os pobres, ou contra a caridade ou ainda contra livrar as pessoas da miséria absoluta e da pobreza. A dificuldade é fazer com que o dinheiro despendido para gerar estes benefícios cheguem diretamente a quem necessita quando a caridade é feita por meio do Estado. Assim, a filantropia deve ser estimulada e incentivada por meio dos agentes privados. É assim que funciona nos EUA e em muitos outros países e sociedades mundo a fora. É assim que funcionou durante a maior parte da história da humanidade.
Alguns exemplos são bem simples: os hospitais, orfanatos e asilos, por exemplos, espalharam-se pela Europa e depois os outros continentes depois que a Igreja Católica se constituiu. Deve-se destacar que a caridade feita por meio das igrejas não deixa de ser uma caridade privada, filantrópica, visto que esta instituição não tem o poder coercitivo do aparato estatal. Nos EUA, as primeiras universidades, como Harvard e Yale surgiram também a partir da filantropia realizada por agentes privados e seu foco era, curiosamente, formar pastores protestantes em faculdades de teologia. Os cursos com caráter mais científico foram sendo instituídos posteriormente.
Até hoje é costume no mundo anglo-saxão que após um tempo de atividade no mercado, ganhando dinheiro, o cidadão goze os últimos anos da vida e da própria fortuna dedicando-se à filantropia (vide o exemplo de Warren Bufett e Bill Gates). Por isso talvez, os Estados Unidos sejam, ainda hoje, um país em que a população é tão refratária a implantação de modelos socialdemocratas em larga escala, ao mesmo tempo em que é a sociedade que mais pratica a filantropia, tanto em termos per capita, quanto de modo absoluto.
Por outro lado, em países como o Brasil, em que a população se diz acolhedora e sensível ao sofrimento alheio, a filantropia ainda é vista com desconfiança por amplos setores da sociedade, de modo que muita gente ainda acha que o único setor com legitimidade para organizá-la é o Estado. Além disso, parece difícil imaginar personalidade famosas, como Silvio Santos, largando o osso e se dedicando à caridade apenas. Vários são os exemplos de empresários brasileiros que morreram batendo ponto em suas empresas.
Diante disso, impera o raciocínio de que é necessária a intervenção estatal para garantir tudo que é de interesse coletivo, o que é, para usar um anglicismo, bullshit. Um exemplo, claro foi dado outro dia na Globo News, quando a âncora do jornal comentava a redução de verbas imposta pelo Estado de São Paulo à Secretaria de Cultura: cortaram-se uns trocados dos museus, de modo que estes tiveram que restringir seus horários de funcionamento e buscar curadores para bancar suas exposições. Da mesma forma, comentava-se o lastimável estado de conservação da casa onde se suicidou o ex-ditador e depois presidente Getúlio Vargas: o teto da construção parecia prestes a desabar. A âncora, em tom indignado, comentou que dali a pouco seria necessário fazer uma “vaquinha” na redação para conseguir dinheiro para restaurar o palácio, porque o setor público tratava com desrespeito a história do país.
Oras, num país em que as pessoas realmente estivessem preocupadas com a história e preservação do patrimônio arquitetônico, a notícia seria a campanha de arrecadação feita pela sociedade para restaurar o patrimônio coletivo. E o âncora demonstraria indignação caso alguém importante se recusasse a contribuir. Sabemos, ademais, a high society carioca defeca e anda para a história do Rio, porque composta principalmente de “artistas” globais, reis e rainhas de marmitas e outras licitações públicas muitas vezes suspeitas, pseudo-magnatas do petróleo no estilo Eike, ou ainda funcionários públicos de altíssimo escalão e baixíssimo conteúdo moral, especializados em conduzir autos alheios e realizar consultorias por valores estratosféricos a prestadores de serviços dos Governos de várias esferas.
Obviamente, isso não exclusividade dos VIP’s cariocas, mas regra geral no Brasil, com exceção de poucos que realmente trabalharam duro para adquirir a riqueza que possuem, e no processo aproveitaram para adquirir um pouco de cultura e conhecimento. Isso é o Brasil. Assim, nos tornamos o país da pilantropia, onde sempre há algum esperto clamando por um quinhão dos impostos para favorecer a sua causa. O país onde gasta-se mais dinheiro tentando fazer caridade do que fazendo-a de fato.
Antes de finalizar, gostaria de lançar o desafio aos leitores, em especial àqueles com mais tempo ou afinidade a estes cálculos do que eu: Será que o valor distribuído pelo Bolsa Família supera o valor gasto com o salário de todos os agentes empregados no cadastramento, fiscalização, implementação, atualização, pagamento e cancelamento dos benefícios pagos? Isso considerando que há no processo todo desde atendentes de guichê e assistentes sociais até analistas regiamente pagos dos TCU para analisar as contas do programa, além de um sem número de fiscais espalhados pelos mais de cinco mil municípios brasileiros. São cerca de R$ 14 bilhões distribuídos anualmente.

Numa conta rápida, se considerarmos 54 agentes por município, num universo de 5.550 municípios, a um salário médio de R$ 3.500,00, o valor distribuído seria igual ao pago em salários para o pessoal empregado no programa. Fica o desafio.

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