ENORME CAPACIDADE PARA MANTER-SE CONTRA O POVO

Por Fernando Raphael Ferro.
Este texto, ao contrário dos demais, tem um quê um pouco mais autobiográfico. Está relacionado ao meu incomum talento em manter-se quase sempre contra a opinião majoritária nos mais diversos assuntos, independentemente do tamanho da comunidade em questão. A um certo ponto, passei a considerar esta falta de habilidade demagógica algo como um talento único, já que sondando minha opinião é relativamente fácil saber de que lado a maioria do povo ficará.
            Hoje por sinal, tive uma amostra muito claro disso numa reunião de pais na escola que minha filha a passou a frequentar. O assunto era uma discussão infrutífera sobre o calendário escolar e os dissabores da reposição escolar. A diretora da escola, com seu modo professoral começou a discorrer sobre a importância do apoio da comunidade à greve, e da importância da luta que eles tiveram que conduzir, etc., etc., até o momento em que começaram a falar da reposição de aulas.
            Para informar brevemente o leitor, estão sendo colocadas duas opções: a proposta oficial, que consiste em realizar aulas em alguns sábados e estender o calendário escolar de 2015 até 07 de março de 2016, e a proposta da APP, que consiste em comprimir o ano letivo em aulas de 45 minutos (ao invés de 50 minutos), e manter as aulas nos sábados, mas encerrar o período letivo em 2015.
            Primeiramente devemos ponderar, como eu fiz, as duas alternativas: na primeira, temos um sério prejuízo aos alunos de terceiro ano de ensino médio que farão o vestibular sem a conclusão do ano letivo, portanto com algum déficit de conteúdo. Além disso, o ano letivo de 2016 também ficará sem o recesso de meio de ano. Por outro lado, preserva-se a quantidade de aulas.
            Na segunda alternativa, o que se tem é a perda de horas aula: 10 minutos por semana no caso de matemática no primeiro ano de ensino médio, o que equivale a 45 minutos ou uma aula por mês (considerando um mês de 4,5 semanas). Em língua portuguesa o prejuízo é de 15 minutos por semana, ou uma aula a cada três semanas. Pode não parecer muito, mas o conteúdo de matemática já foi comprimido e mutilado, assim como o de língua portuguesa, para inclusão de lixo ideológico como Filosofia (material didático da Marilena Chauí), Sociologia e Artes. Pode parecer brincadeira, mas um aluno de primeiro ano de ensino médio tem 6 aulas destas três matérias na semana e apenas duas de matemática. Nesta alternativa, manter-se-iam as aulas nos sábados.
            Obviamente, no meio da assembleia, eu coloquei estas questões, e manifestei ainda que seis aulas diárias, com redução do intervalo seria ruim para os alunos e ruim do ponto de vista pedagógico. Além disso, destaquei que a APP não poderia utilizar os alunos como reféns em sua luta contra o governo e que os pais deveriam ponderar que seus filhos eram os maiores prejudicados.
            Obviamente, a massa estava preocupada em resolver apenas um único problema. Terminar o ano letivo em 2015 e não ter aulas aos sábados. Portanto, acreditaram que a dita sexta aula seria a solução para não terem aulas aos sábados, e de forma quase unânime, com apenas meu voto e de minha filha contra, votaram pela alternativa da APP. O interessante da história toda foi que, após a votação, vários pais se levantaram e se manifestaram a meu favor, dizendo que meu ponto de vista estava correto e tal, mas...
            Bom, isso me leva a refletir algumas questões. Primeiramente, a massa vota em uníssono na democracia direta por medo de parecer diferente ou de pertencer a uma minoria. Talvez por isso o voto seja secreto nas grandes democracias. Segundo ponto, é muito fácil conduzir uma multidão se você é um bom demagogo. No meu caso, isso é quase impossível, eu sou um péssimo demagogo. Levo a massa na direção oposta à minha, por mais certo que eu esteja. Isso apesar de expressar-me com relativa clareza, porque todos compreenderam o que eu disse.
            Terceiro: a população morre de medo de contrariar os professores. Isso é o mesmo que ocorre com os regimes fascistas. Quem contraria professores é visto com um misto de admiração e desconfiança. Parece tão errado ir contra um professor quanto ir contra um padre (isso no passado), ou contra um pastor. Assim, os professores podem apenas olhar de lado para quem deles descorda e continuar avançando à revelia das forças contrárias.
            Aliás, posicionar-se contra os professores é uma das medidas que me leva a esta cômoda, ou incômoda situação de ser sempre um termômetro ao contrário da opinião das massas. Por exemplo, quando postei links com vídeos dos grevistas da APP forçando cidadãos de bem a abrirem os porta malas de seus carros, e destacando a brutalidade de suas ações, aquilo mostrava quão erradas eram suas atividades, mas na mente do homem comum parece muito errado chamar esta atividade de fascista.
            Por outro lado, defender a ação da tropa de choque, que evitou a invasão da Assembleia Legislativa e a depredação de patrimônio público, sem causar nenhuma baixa civil ou militar, também parece errado, afinal, do outro lado das tonfas estavam docentes. Fossem militantes do MST, estariam todos a meu favor. Mas eram professores. Isto é, as pessoas tendem a suavizar o crime conforme o criminoso.
            E aqui entra mais um ponto, o final, da reflexão. Recorro ao genial José Ortega-y-Gasset. Em seu Rebelião das Massas, ele destaca que as aquilo que o homem-massa não é, ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista, aquela massa analfabeta, ignara, que habita o planeta desde que o mundo é mundo. Ao contrário, o homem-massa é um produto da revolução industrial. É aquela classe média que concluiu um “curso superior”, em tese iluminada, que se crê portadora da razão e por isso se arvora do direito de passar por sobre tudo e todos. Ortega-y-Gasset, se me lembro bem, ilustra o engenheiro típico como o homem-massa padrão, mas porque não, num país como o nosso, onde escasseiam engenheiros e abundam docentes, não dizer que o professorado é a expressão máxima do homem-massa?
            Deve-se destacar, inclusive, que este homem-massa foi o sustentáculo dos regimes nazifascistas e socialistas europeus, ou seja, todos aqueles regimes baseados em alguma forma de democracia direta, numa burocracia “científica”, iluminada, e na busca da aplicação em larga escala da ciência na sociedade. Oras, os professores de hoje são fruto destas escolas de ensino. São, em maioria, socialistas até a raiz do cabelo. “Militam”, como gostam de dizer, para aplicar um novo padrão, construir, formar um novo homem.

            Eles são essencialmente violentos em sua pedagogia, em seus métodos, em sua base e origem. A democracia direta, de unanimidades, é violenta. O povo em geral, é assustadiço, mesmo porque a maior parte dos pais tinha menos escolaridade que os filhos, isto é, nem o ensino médio tinham alcançado. Não eram “homens-massa” gassetianos, mas apenas massa de manobra na mão de lobos. E eu a voz dissonante. Mas por fim, achei bom participar. Não fosse eu, a Assembleia terminaria em unanimidade. Terminou em unanimidade menos um. E houve alguns que não votaram. Se abstiveram. No fim, para falar a verdade, acho que ganhei. Implantei a semente da desconfiança no meio deles. Nunca mais serão tão confiantes em convocar uma assembleia.

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