PARA QUE SERVE A GEOGRAFIA ESCOLAR?

Por Fernando R. F. de Lima.

Em pleno século XXI, século que viu a grande revolução dos sistemas de informação geográfica, para que serve a geografia escolar? Num século em que as capitais dos países, o clima das cidades, os mapas urbanos, regionais, temáticos e todas as informações “socioeconômicas” estão disponíveis ao alcance de um ou dois cliques, para que serve abrir um livro didático cheio de mapas defasados, gráficos ultrapassados e explicações eivadas de ideologia e carentes de lógica?
Ao contrário de parcela significativa da má formada parcela dos geógrafos, não acredito em ciência de síntese. Ninguém, nenhum ser humano é capaz de acumular conhecimentos das diversas áreas para ter uma visão holística, abrangente e conciliadora do conhecimento humano nas áreas física e humana. Todo progresso cientifico até os dias de hoje sempre foi produzido por especialistas. Desde o século XIX, os gênios generalistas foram diminuindo de intensidade, e hoje nota-se que suas contribuições foram muito tímidas diante dos grandes especialistas que vieram depois.
Talvez por isso a geografia tenha contribuído tão pouco para o progresso material humano nestes mais de 100 anos em que ela é praticada. Obviamente, houve avanços, mas naquelas áreas normalmente negligenciadas pela ampla maioria dos geógrafos e o mais distante possível da geografia escolar.
As áreas da geografia, se é que podem ser assim chamadas, que mais progrediram, foram as especialidades da área física (climatologia, geomorfologia, mais afeitas à geologia e às engenharias que à geografia), a cartografia e o sensoriamento remoto (com grande progresso desde os anos 1970 e mais intensamente 1990) e por fim a estatística espacial, cujos métodos buscam explicar a dependência espacial de variáveis a primeira vista independentes, com aplicação tanto na geologia e engenharias quanto na economia, sociologia, antropologia, epidemiologia e ciência política, para ficar nos mais chamativos.
O progresso nestas áreas depende da estatística, das linguagens matemáticas, do uso de softwares e de programação, que por sua complexidade nunca são trabalho de um homem só. São áreas da ciência complexas e por isso mesmo envolvem sempre muitas incertezas, trabalho intensivo, com trabalhos de equipes complexas. Seus resultados, por outro lado, diferem muito das monografias regionais ou dos tratados de história da literatura (pseudo) científica, muito comuns nos DEGEO’s Brasil afora.
Justamente por isso, são áreas do conhecimento pouco afeitas ao ensino escolar. O que sobra? Sobram os catálogos, com informações e explicações grosseiras sobre “regionalizações” do mundo, que são uma nova forma de decoreba e doutrinação ideológica “anti-” alguma coisa, que nos dias de hoje vai se convertendo em militância ambientalista, estatista e/ou anti-globalização. Este tipo de discurso ideológico, confundido com ciência, que se manifesta com grande impacto na mídia, acaba virando geografia escolar.
Isto, obviamente, é algo completamente desprezável, cuja presença no curriculum escolar pode ser proveitosamente descartada em prol do aumento da carga horária de matemática, línguas estrangeiras ou educação física (já que a obesidade é um problema maior que a falta de orientação espacial). A única resposta para a utilidade da geografia escolar é a geração de centenas de milhares de empregos para gente que não teria outra ocupação caso não pudesse doutrinar crianças no caminho das suas crenças religiosas ou políticas.
A geografia escolar, em matéria de utilidade prática para as crianças, não difere do ensino religioso, da sociologia ou da filosofia, que são apenas apêndices colocados para gerar emprego para licenciados sem função prática tampouco conhecimento técnico. Assim como estas disciplinas, deveria ser opcional do curriculum escolar, presente apenas nas escolas confessionais. Os pais, na hora da escolha, ditariam o grau de importância que esta disciplina teria na vida escolar de seus filhos. Aposto que paulatinamente ela desaparecia, novamente, com proveito para toda a sociedade.

Comentários

INTERCEPTOR disse…
Fernando, dada a situação atual de nosso ensino de geografia (e história), eu concordo contigo mesmo. No entanto, acho até que poderíamos ter em um ensino técnico-profissionalizante um curso de geografia verdadeiro, calcado, p.ex., na obra Geografia Física de Arthur Strahler. Teríamos excelentes profissionais que trabalhariam como analistas ambientais em órgãos competentes como a CETESB, em São Paulo e fariam uma verdadeira revolução em vários órgãos fajutos dessas municipalidades espalhadas pelo país, que são mais antros de vagabundos carreiristas com estabilidade do que órgãos profissionais de verdade. Veja também o que é o trabalho de um geoprocessador... Acho toda esta revolução tecnológica na geografia algo fantástico, mas não é preciso cursar toda uma faculdade para exercer certas funções do SIG. Alguns desses técnicos são meros desenhistas que operam sistemas que qualquer nerd de ensino médio saberia fazer, mas logo empapuçaria devido a sua monotonia. Claro que há os pesquisadores que se utilizam desses recursos, mas isto seria melhor aproveitado se os mesmos já tivessem visto estas técnicas e conteúdo antes de entrar no curso superior. O que ocorre é que estas inovações pegaram muitos departamentos de geografia de surpresa e agora, meio deslocados, a maioria deles não sabe o que fazer com este conhecimento. Aproximá-lo da sociedade, para seu usufruto seria um bom começo e uma forma seria propiciar o conteúdo à jovens que não pretendem (ou não precisam) de faculdade para atuar como técnicos em geoprocessamento.
Dei um pequeno exemplo para divergir parcialmente de ti onde eu creio que seria possível sim um ensino útil de geografia, MAS... Do jeito que está, não dá para reformar mesmo, o negócio é "resetar" de vez este ensino.
Fernando Ferro disse…
Anselmo: no fundo, a geografia que interessa virou uma técnica, uma parte da ciência, que em certos casos está muito avançada para a geografia escolar. E o que sobrou na escola não serve para grande coisa. Concordo com você que a maioria dos temas estudados pela geografia podem ter grande valia, mas pra que servem as bobagens divulgadas nos livros didáticos? Sinceramente, eu acho que a geografia "acadêmica" só melhora quando ela não tiver mais a obrigação de formar militantes e tiver que virar técnica para sobreviver no mercado.

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