CARACTERIZAÇÃO DO ESPRAIAMENTO URBANO


Por Fernando R. F. de Lima
As grandes cidades vivem um dilema, sobretudo no Brasil: espalham-se mais ou concentram-se? O espraiamento urbano, numa tradução livre e quase literal da expressão inglesa urban sprawl, que está associada diretamente à criação dos subúrbios ingleses, é uma realidade tanto em grandes quanto em pequenas cidades brasileiras. Podemos indicar que um subúrbio é, por definição, uma área de baixas densidades habitacionais, inferiores ao limiar de 20 habitantes por hectare. Esta referência é obtida por meio da construção de ruas largas, sinuosas, com lotes individuais para a construção de residências unifamiliares ou então pela construção de edifícios isolados cercados por grandes extensões de área verde (gramados, parques e/ou bosques).
O subúrbio apresenta algumas vantagens estéticas e, aparentemente, vantagens ambientais. Por exemplo, um subúrbio impede grandes aglomerações humanas, e induz a uma convivência de vizinhança semelhante a de uma cidade pequena. Numa área de 1km² a população dificilmente ultrapassaria duas mil famílias. Nesta área seria possível desenvolver uma unidade de vizinhança, com escola primária, e um pequeno comércio para atender as necessidades locais mais emergenciais. Seria possível cobrir as distâncias a pé para acessar estes serviços, além de garantir tranquilidade nestas ruas para que as crianças se movam a pé ou por meio de bicicletas até as escolas. O subúrbio ideal é uma unidade de vizinhança que agrupadas a cada 10 formariam uma pequena cidade de 20 mil habitantes.
Por outro lado, os subúrbios incrementam o consumo de espaço: uma grande cidade cuja população habite predominantemente em unidades de vizinhança deste tipo demandaria muito espaço. O efeito colateral do consumo de espaço é o aumento das necessidades de deslocamento. E como a densidade de ocupação é pequena, o transporte coletivo acaba sendo inviabilizado, em função da pela pequena demanda, pelas grandes distâncias a serem cobertas por poucos passageiros. O automóvel particular acaba sendo o aliado inseparável da ocupação de subúrbios.
A hipótese contrária é a de que densidades maiores podem ser desejáveis pelo fato de otimizar a aplicação de recursos públicos e privados, acarretando menores despesas para a distribuição de serviços de água, luz, esgoto, transporte coletivo, e também em menores despesas para os cidadãos, que seriam basicamente a redução no tempo de deslocamento e dos custos decorrentes do uso do automóvel particular.
Além disso, um desenvolvimento urbano concentrado teria como vantagens secundárias o aumento do solo disponível para a agricultura e para preservação ambiental, o que não ocorre no caso do desenvolvimento suburbano. As densidades necessárias para caracterizar este tipo de desenvolvimento ocorreriam a partir de uma concentração de domicílios acima de 120 domicílios por hectare, conforme definido por Jane Jacobs em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades.
É possível perceber, portanto, um hiato entre as densidades baixas, consideradas desejáveis para a concretização das unidades de vizinhança homogêneas, e as elevadas densidades consideradas necessárias para a otimização dos custos de escala. Atualmente, é possível perceber que a quase totalidade das cidades acaba situando-se em densidades intermediárias a estas duas situações, não atingindo nem o ideal do subúrbio e suas unidades de vizinhança ideais, tampouco as grandes concentrações humanas.
Existe, obviamente, razões econômicas que ajudam a explicar esta situação. A principal delas é o consumo de espaço. Numa situação de baixas densidades, inferiores a 20 habitantes por hectare, a unidade padrão para um domicílio unifamiliar é uma casa térrea disposta num terreno de aproximadamente mil metros quadrados. Dez terrenos deste tipo formariam um quarteirão. Este seria o limite máximo para o aproveitamento suburbano do território. Obviamente, contabilizando os espaços necessários para deslocamentos (ruas, calçadas) e as áreas de convivência e lazer, bosques e praças, chegar-se-ia ao número máximo de 20 habitantes por hectare. Tendo em vista uma renda média familiar de R$ 2500,00, e um custo por m² por volta R$ 1000,00, este tipo de terreno, sem contar a construção da residência, teria um custo equivalente a 33 anos de salário desta família de referência. Obviamente, o sonho da casa própria seria impossível no atual padrão de renda.
Por outro lado, acomodar 120 pessoas em um hectare não é tão fácil. Utilizando como referência 3 habitantes por domicílio, seriam necessárias 40 habitações em um hectare. Descontado o uso de 20% desta área para pavimentação, seriam necessários 40 lotes por quarteirão, cada um de 200 m², o que permitira atingir a base de 120 habitantes por hectare. Aplicando o mesmo preço de referência por m² do primeiro terreno a este, uma família de renda média levaria 6,6 anos para adquirir o terreno. Este é o padrão médio de construção em diversos bairros de Curitiba, o que torna uma parte considerável destes bairros locais bastante agradáveis para se viver.
Contudo, uma cidade não é feita apenas de casas. Outras áreas, não residenciais, dividem o espaço. Como foi comentado anteriormente, praças, parques, bosques, ruas, avenidas, escolas, igrejas, cemitérios, áreas industriais, comerciais e de serviços consomem praticamente tanto espaço quanto os domicílios. Assim, uma cidade constituída neste padrão, iria atingir densidades muito inferiores aos 120 habitantes por hectare. De fato, se a área consumida por todos estes serviços fosse igual àquela consumida por habitações, a densidade média seria de apenas 60 habitantes por hectare. Este patamar está muito próximo aquele observado na área urbanizada de Curitiba, em que a densidade de habitantes por hectare, calculada com base nos dados de 2012, é de 52 habitantes/ha.
Para dobrar este padrão, seria necessário construir 80 unidades residenciais por hectare, ou seja, dividir um quarteirão em lotes ideais de 100 m². Ao utilizar residências unifamiliares, respeitando uma faixa de impermeabilização do solo, o máximo que seria admissível é a construção de 80 m² por lote. Esta área, apesar de parecer razoável, na verdade implica uma área de 22,5m² por habitante, descontados 12,5m² de garagem, mas acrescidos das necessidades de áreas comuns (banheiros e cozinha). Este é o padrão médio de uma residência popular no Brasil, na verdade aquela que é acessível à maior parte da população.
Só que este tipo de caracterização urbana apresenta diversos inconvenientes. Apesar de, teoricamente, ser uma área razoável, a maioria das pessoas se sentiria pouco confortável num espaço tão restrito. Este tipo de situação induziria a construção sobre os 20% reservados à não impermeabilização do solo, e também a construção vertical, atingindo 2 ou 3 pavimentos. A elevada densidade também causa problemas de sombreamento, e lotes deste padrão acabam sendo inconvenientes para a construção de áreas comerciais. Este tipo de divisão do solo leva a uma divisão funcional da cidade. Cidades funcionalistas, como é o caso de Curitiba e tantas outras, acabam segregando áreas residenciais de áreas comerciais e industriais, o que acarreta os mesmo problemas que os subúrbios tradicionais têm, sem que se tenha como contrapartida suas vantagens.
O crescimento populacional baseado no modelo de lotes individuais também favorece a autoconstrução, que é o modelo predominante de construção civil no Brasil, caracterizado pela baixa produtividade além de resultados estéticos bastantes discutíveis, sem contar, na maioria das vezes, com uma supervisão técnica adequada.
Fernando R. F. de Lima
www.democraciaeliberdade.blogspot.com
Homo sum humani nihil a me alienum puto

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