LIBERALISMO URBANO É POSSÍVEL?
Por Fernando R. F. de Lima
Pelo pouco que tenho acompanhado nas discussões na internet, grande parte delas por meio de meu amigo Anselmo Heidrich, muitos dos liberais brasileiros seja aqueles organizados em torno do Líber ou do Partido Federalista, acabam deixando de lado o potencial do liberalismo quando aplicado às cidades. No fundo, este é um tema muito complexo, porque o liberalismo tradicional nunca esteve muito ligado às questões que permeiam as cidades mesmo, e sempre foi mais fácil falar de generalidades que de particularidades, ainda mais as urbanas.
Antes que algum esquerdista levante-se das profundezas da internet e saia repetindo o que eu disse como se fosse uma crítica a nascente direita brasileira, os esquerdistas tampouco fizeram mais pelas questões urbanas. Quase todas as propostas de esquerda voltadas para a cidade são, no fundo, apenas modelos de distribuição e redistribuição de renda, ou políticas generalistas que podem ser aplicadas sem grandes mudanças tanto no nível local quanto no nível nacional.
Dada esta apresentação, pergunto: Liberalismo urbano é possível? Para respondê-la, vou me permitir, antes de tudo, fazer uma volta sobre o que andam dizendo das cidades. O discurso mais comum entre os liberais é o de que uma cidade é, na verdade, um condomínio grande. Não haveria diferenças significativas entre gerir um condomínio e gerir uma cidade. Talvez este tipo de visão esteja escorado nos mais modernos e maiores modelos de gestão de condomínios, encontrados nos empreendimentos Alfaville, para ficar no exemplo mais famoso.
Contudo, eu discordo desta visão por várias razões, algumas das quais eu vou enumerar aqui. As cidades, ao contrário dos condomínios, são a unidade básica da vida econômica. As cidades são mercados, representam o alicerce sobre o qual todas as transações econômicas se desenrolam. As cidades são um lugar de troca de produtos, ou um centro comercial, mas também um mercado de trabalho; as cidades são pontos de troca de idéias, valores e mercadorias. As cidades permitem o desenvolvimento e o intercâmbio cultural. Por fim, as cidades organizam também a vida no campo, no meio rural. Os condomínios não fazem nada disso, sendo apenas instituições criadas para resolver problemas administrativos da vida em sociedade.
De fato, cidades pequenas se assemelham em seus problemas aos condomínios, mas as cidades grandes não guardam tantas semelhanças com estas questões. Quando se realiza uma intervenção numa grande cidade, como pintar uma faixa de pedestres ou trocar a direção do fluxo de veículos numa rua, se obtém maiores resultados, com repercussões econômicas, culturais e sociais, do que ao se fazer isso num aglomerado pequeno de casas. Cidades grandes não são condomínios. Portanto, a gestão de seus problemas não pode ser entregue na mão de empresários que administrem os "problemas" urbanos. Por conta de sua diversidade, a cidade é o primeiro espaço da democracia; uma vez que as mudanças "técnicas" afetam a vida de todos, todos devem ter o controle sobre a intensidade e a razão destas mudanças. As pessoas, mesmo as mais ignorantes, devem ter o direito de opinar sobre o modo como será realizado o projeto de uma obra urbana, ou a própria construção da cidade, uma vez que as alterações que ocorram ali irão afetar diretamente seus interesses, sua liberdade e sua propriedade.
Tendo isto em mente, é um equívoco pensar que se pode resumir a gestão urbana a uma técnica de gestão de projetos. Os urbanistas e engenheiros sanitaristas, por conta de seu sucesso na resolução de algumas questões, como o controle de vetores de doenças, acabaram reivindicando o poder para uma gestão "técnica" da cidade, tratando todos os problemas urbanos como questões de projeto. Num condomínio isto pode funcionar porque a propriedade é coletiva e cada proprietário é dono apenas de sua "fração ideal". Numa cidade não há "frações ideais", e as ruas não são propriedade apenas de seus moradores, mas de todos os cidadãos, de todas as cidades. E num condomínio nós até poderíamos imaginar uma situação em que uma parte das terras, da fração ideal, fosse designada por comum acordo a virar um mini-aterro sanitário, mas numa cidade isso implicará no avanço sobre a propriedade, a liberdade e o bem-estar de outros cidadãos, que são proprietários legítimos da terra, e não apenas donos de uma "fração do todo".
Por isso, por causa destas complicações, a grande maioria dos urbanistas tem uma simpatia muito grande pelo socialismo urbano, porque neste caso, a propriedade seria coletiva e ninguém poderia se opor aos planos que fossem melhor para "todos". E é aqui que quero chegar. A defesa da propriedade da terra, e da igualdade no direito ao uso desta terra seria a grande bandeira de um urbanismo liberal. A prefeitura liberal seria uma prefeitura preocupada em garantir o mínimo dever do estado, que é a liberdade para ir e vir em todas as ruas, com segurança e seguindo um padrão relativamente homogêneo de qualidade.
A busca de formas de garantir o funcionamento mais adequado dos mercados que compõem a cidade, seja o terras, o de trabalho, ou o de mercadorias e serviços é parte importante da atribuição de uma prefeitura com orientação liberal. Assegurar o funcionamento dos mercados urbanos e garantir as liberdades básicas dos cidadãos seria o norte da construção de uma ideologia urbana de corte liberal. Isso não significaria, de forma alguma, o fim da política: ao contrário, seria uma mudança na política, um retorno ao poder do cidadão nas decisões sobre como deve ser a cidade, e acima de tudo, uma retorno a responsabilização do cidadão pela gestão de sua cidade, retirando estas questões básicas das mãos dos burocratas e vereadores e devolvendo-as aos seus responsáveis. Para finalizar este texto, vou fazer uma lista de coisas que deveriam compor uma agenda liberal com foco nas cidades.
<!--[if !supportLists]-->1. <!--[endif]-->Enfatizar a importância da participação individual nas decisões urbanas, como forma de neutralizar as negociatas que envolvem o poder municipal;
<!--[if !supportLists]-->2. <!--[endif]-->Lutar pela despartidarização das eleições municipais, para que qualquer cidadão, sendo ou não membro de partidos políticos, pudesse concorrer aos cargos eletivos. Para funcionar, esta medida deveria ser acompanhada de um teto máximo de gastos com campanha em eleições municipais, além do fim do horário eleitoral gratuito em campanhas para prefeito;
<!--[if !supportLists]-->3. <!--[endif]-->Criação de políticas de padronização urbana, com a aplicação de padrões tão homogêneos quanto possível para ruas, calçadas, faixas e placas e iluminação pública;
<!--[if !supportLists]-->4. <!--[endif]-->Luta pelo fim dos zoneamentos por área, que são uma forma de criar valorizações diferenciadas do solo urbano, e uma justificativa para leis de controle da propriedade privada e de confisco. Além disso, o fim destes zoneamentos seria uma forma de estimular a quebra dos "monopólios naturais" do uso da terra;
<!--[if !supportLists]-->5. <!--[endif]-->Luta contra os monopólios urbanos, pela possibilidade de implantar a concorrência na oferta de serviços públicos básicos. Eu começaria pela educação e saúde públicas, mas avançaria em questões chaves extremamente espinhosas, como transporte coletivo, água, esgoto, energia elétrica e resíduos sólidos.
Creio que estes cinco pontos de agenda já são suficientes para estimular o pensar sobre estes assuntos, e um meio de estimular os que estão com a paciência esgotada das mesmices repetidas pelos candidatos a prefeito e vereador, mas sentem receio em arriscar propostas liberais que vão além da redução dos problemas urbanos a problemas de condomínios. Ao invés de ofertar um texto conclusivo sobre o assunto, oferto idéias para um novo modo de pensar políticas urbanas.
Fernando R. F. de Lima
http://www.democraciaeliberdade.com.br/
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Por um mundo mais livre e melhor!
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Comentários
Abraço,
a.h