ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE A QUESTÃO DA MOEDA
Por Fernando R. F. de Lima.
Num livro dos anos 1970, Hayek defendeu a idéia de criação de um novo padrão monetário baseado numa cesta de produtos como forma de compensar o fim do padrão ouro. O livro tinha o título "A desestatização da moeda"[i]. O livro é muito interessante como uma referência história na discussão sobre a moeda. Aviso que este não é meu campo de especialidade, mas como sempre leio uma porção de pessoas escrevendo coisas das quais entendem ainda menos, gostaria de deixar aqui algumas impressões e comentários sobre a idéia de desestatização monetária. Como curiosidade, o livro de Hayek dizia que ele achava, na época, ser mais fácil desestatizar a moeda do que a criação de uma moeda comum para os países europeus, o que por diversas razões não apenas técnicas, mas também políticas, revelou-se uma opinião completamente equivocada.
O fim do padrão ouro nos anos 1970 foi uma das medidas que acabou com o que de mais próximo havia de uma moeda mundial na época. A partir de então as moedas passaram a não ter mais nenhum lastro físico, sendo cotadas a partir de sua relação umas com as outras. Muitos dizem que a adoção de uma moeda sem lastro foi a tragédia do fim do século XX, e alguns mais radicais diziam que isto levaria a desestruturação completa da economia, com uma inflação crônica, constante e impossível de se erradicar, uma vez que o controle da moeda ficaria na mão apenas dos burocratas e não mais na mão do seu verdadeiro dono, o povo.
Mas a realidade, no fundo, é que o fim do padrão ouro permitiu a adoção de um novo padrão monetário que tem funcionado muito bem desde o fim dos anos 1970. Ao contrário do que alguns imaginam, a moeda atual tem lastro sim, e este lastro é uma cesta de produtos que abrange praticamente tudo que se compra e se vende na sociedade. E a medida básica utilizada como referência deste padrão monetário é a medida da inflação. Nos países em que a inflação é apurada de modo independente, é possível ter um medidor bastante confiável da valorização ou desvalorização da mercadoria chamada "moeda" ou "dinheiro".
Isto porque, desde o fim do padrão ouro, que levou a adoção das taxas de cambio flutuantes, o grande medidor da oferta de moeda passou a ser a flutuação dos preços na economia, que podem ser ajustados de forma bastante razoável a partir de outro instrumento: a taxa básica de juros do banco central. A taxa de juros dos bancos centrais funciona como um poderoso instrumento de ajuste da oferta de moeda. Quando a taxa de juros sobe, as pessoas e empresas compram mais títulos do governo, limitando a quantidade de moeda circulante. Quando a taxa de juros cai, as pessoas e empresas utilizam o dinheiro para o consumo, seja o consumo de bens e serviços, seja para investimento em consumo futuro[ii].
Desta forma, pode-se dizer que a moeda nacional de um país está lastreada na evolução dos preços desta mesma economia, e os governos nacionais atuam, de forma, digamos assim, "keynesiana", com uma perspectiva levemente inflacionária, que é a chama meta de inflação de referência. Uma economia levemente inflacionária favorece os investimentos, porque leva as pessoas, num ambiente de preços controlados e levemente em alta, a acreditar num retorno positivo dos preços.
Vários países tardaram muito a adotar o índice de inflação como referência para a política monetária. No Brasil mesmo, pode-se dizer que isto só ocorreu depois de 1998, quando adotamos o regime de cambio flutuante e metas de inflação controladas pelos juros. Com o câmbio flutuante, que em geral é controlado pelo mercado, e as metas de inflação, que são definidas pelo governo, mas cuja variação no índice é medida de forma independente, pode-se dizer que a gestão da moeda ficou a cargo do governo, mas tornou-se uma gestão eminentemente técnica. Enquanto gestão técnica, ela está vinculada ao desenvolvimento científico da área, podendo ser lentamente aperfeiçoada a medida que novos estudos apontam para medidas mais eficientes, ou que experimentos reais mostram decisões equivocadas. A gestão monetária que está em vigor desde a década de 1970 tem se mostrado mais resistente a crises que o anterior padrão ouro, e no fundo está se mostrando menos suscetível a mudanças nos humores políticos.
No texto em que falei do governo Reagan, foi possível perceber que mesmo nos EUA a gestão da moeda vai na contra-mão dos próprios planos do governo, uma vez que o governo não controla os preços da economia, sobretudo aqueles preços mais importantes. A gestão da moeda realizada por burocratas do governo pode parecer perigosa, mas tem sido mais convincente que o anterior padrão ouro, que deixa todas as moedas sujeitas aos humores instáveis da sociedade e, principalmente, a ação de especuladores[iii], que levava a necessidade de regulação para evitar os ataques "nocivos" ao governo e ao bem estar da nação.
[i] Neste link, é possível saber um pouco mais sobre o livro.
[ii] Os depósitos compulsórios que os bancos são obrigados a ter como forma de limitar a "alavancagem", isto é, o empréstimo de mais dinheiro que a quantidade depositada, é outra forma utilizada para controlar a oferta de moeda, sem alterar a taxa básica de juros.
[iii] Especulador é alguém que joga com o futuro. Mas como a distribuição de renda não é homogênea na sociedade, e principalmente nos mercados de câmbio e futuros, alguns poucos investidores muito ricos podem influenciar o curso dos preços. Isto é verdadeiro sobretudo nos mercados de ações. Ainda que esta influência possa durar pouco tempo, ela é suficiente para alterar ainda mais a distribuição de riquezas de modo, digamos assim, não tão honesto e transparente, e pouco baseado no mérito.
Fernando R. F. de Lima
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