COMENTÁRIO TARDIO SOBRE A POF

Por Fernando R. F. de Lima.

A POF (Pesquisa de orçamentos familiares) 2008-2009, divulgada pelo IBGE dia 23 de junho de 2010, traz informações sobre a composição dos gastos das famílias brasileiras. Esta pesquisa é um importante subsídio para a elaboração das contas nacionais, ou seja, para o cálculo do Produto Interno Bruto, pois permite analisar a ótica da demanda das famílias na economia. Os padrões de consumo das pessoas mudam lentamente. Contudo, pelo fato de estarmos vivendo um período de crescimento acelerado do consumo, uma nova POF num intervalo relativamente pequeno se fez necessária para mensurar estas mudanças.

A última POF era de 2002 e em relação a esta algumas mudanças merecem destaque. Os gastos com alimentação fora de casa subiram de 25% em 2002/2003 para 33% em 2008-2009, ou seja, as famílias passaram a gastar mais comendo fora de casa neste período. Outra mudança foi em relação à desigualdade na despesa das famílias: entre aqueles cuja pessoa de referência da família tinha menos de 1 ano de estudo e aqueles em que a pessoa de referência tinha mais de 11 anos de estudo, a diferença entre o tamanho da despesa familiar caiu de 400% em 2002-2003 para 203% em 2008-2009.

Entre a composição dos gastos, entrem algumas questões interessantes, sobretudo na comparação com a pesquisa de orçamentos de 1974. Hoje os brasileiros gastam significativamente com alimentação (cerca de 20% em 2009 contra 34% em 1974), mas gastam mais com habitação (30% em 1974 para 36% em 2009). Outro gasto que cresceu bastante foi com transporte, partindo de 11% em 1974 para 20% em 2008-2009. Esta informação é importante, porque mostra que entre 1974 e 2008-2009, o gasto com transporte tornou-se equivalente ao gasto com alimentação. Assistência à saúde cresceu de 4,2% em 1974 para 7,2% em 2008-2009, e educação cresceu muito pouco, passando de 2,3 para 4,1%.

A POF também registra grandes diferenças entre as regiões brasileiras, sobretudo entre o sul e o sudeste e as regiões norte e nordeste. Mostra também que grande parte das famílias brasileiras, mais de 68% tem uma despesa média familiar inferior a R$ 2490,00. As famílias que mais gastam com aumento de seu ativo estão na Região Sul (8,0%) e as que gastam menos estão no Nordeste (5,0%), mas o conjunto da população brasileira gastava menos com formação de ativos em 2008-2009 que em 1974, quando esta despesa chegava a 16% do orçamento, e hoje são apenas 5,8%.

A POF, portanto, mostra que o orçamento dos brasileiros é muito semelhante ao orçamento do próprio país: se gasta muito com consumo (quase 81,3% da renda) e pouco com aumento dos ativos (5,8%). Entre as despesas de consumo, pouco vira gasto com educação (menos de 5% da despesa total), e muito vira gasto com produção de fumaça (quase 20% em transporte). Além disso, é possível perceber a incorporação de hábitos tipicamente urbanos, como comer fora de casa, no cotidiano de todas as famílias, inclusive as mais pobres das regiões nordeste e norte.

A questão do transporte mostra uma realidade decorrente da forma como as cidades brasileiras cresceram: os custos com deslocamento, no caso transporte (que inclui passagens e ônibus, combustível, manutenção e aquisição de veículos) já equivalem aos gastos com alimentação, destacando que a alimentação mudou drasticamente pela incorporação da alimentação fora de casa e dos produtos industrializados ao invés de produtos em natura. Portanto, os equívocos do planejamento urbano empregado no Brasil tiveram um efeito direto sobre o orçamento das famílias brasileiras, que arcam com um custo crescente de transporte.

 
Fernando R. F. de Lima
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P
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Comentários

INTERCEPTOR disse…
Excelente resenha, Fernando. Bastante didática para leigos em economia como eu. E, em especial, pela relação com nossas urbes ao final que me agradou.

Mas, de uma coisinha aí, eu entendo o pouco e que ficou clara para mim com o que presencio empiricamente: o pequeno acréscimo em investimentos educacionais familiares. Vê-se, ao comparar com outros gêneros de consumo que é mesmo uma valoração que parte de uma perspectiva cultural. E outro dado, projeção que se avizinha é o buraco que formaremos em breve com o ensino médio, já que o alunato do básico está migrando para lá. Não há professores. Consequentemente, ao invés do governo investir em formação de professores vêm com esse projetinho do MEC de reestruturação curricular substituindo a categoria por um vago "instrutor de ensino" que fará "de tudo um pouco" sem se aprofundar. Como sempre se prefere tapar o Sol com a peneira.

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